Na segunda-feira, em uma sala de conferências indefinida no lado leste da capital da Bélgica, a batalha furiosa sobre a carga de trabalho dos jogadores passou para o campo jurídico.

A quantidade de futebol exigida dos principais jogadores tem sido um dos tópicos mais quentes do esporte nas últimas temporadas, com jogadores e técnicos insistindo repetidamente para que os organizadores reduzam o calendário e permitam que os atletas descansem mais.

No mês passado, o debate foi mais longe, com Rodri, astro do Manchester City e da Espanha, dizendo que os jogadores estão “perto” de entrar em greve diante da situação. O debate foi reacendido novamente quando ele rompeu o ligamento cruzado anterior semanas depois, em um empate por 2 a 2 com o Arsenal, em 22 de setembro, no que foi sua 67ª partida desde o início da temporada 2023/24 em agosto do ano passado.

As acusações sobre quem é o culpado pelo número de jogos foram feitas por meio de microfones e discussões. Agora, como é cada vez mais comum no futebol, isso será feito por meio de equipes jurídicas e processos judiciais.

Na segunda-feira, o sindicato mundial de jogadores (FIFPro) e as Ligas Europeias – estas últimas representando 37 ligas nacionais – apresentaram conjuntamente uma queixa antitruste contra a FIFA na Comissão Europeia em Bruxelas, na qual argumentam que a entidade máxima do futebol mundial está abusando de seu direito como organizadora e reguladora de torneios.

Esses grupos também realizaram uma coletiva de imprensa no Résidence Palace, em Bruxelas, durante a qual os chefes das ligas e os líderes dos sindicatos de jogadores expuseram seu caso contra a FIFA e explicaram por que estão entrando com essa ação agora.

A esperança deles é fazer com que a Comissão decida a seu favor e obrigue a FIFA a consultar os jogadores e as ligas sobre o calendário de jogos internacionais. É uma batalha legal que pode levar anos para ser resolvida, mas que terá um impacto sobre o esporte.

Como a medida legal resolverá alguma coisa?

Houve uma sensação entre as principais ligas da Europa e dentro da FIFPro de que esse era o único caminho a seguir.

“Enviamos mais de 20 cartas à FIFA sem nenhuma resposta”, disse Mathieu Moreuil, diretor de relações internacionais de futebol da Premier League. “Não temos outra escolha. A medida legal é a única opção.”

Depois de anos de frustração e debate entre os jogadores, os sindicatos e as ligas européias nacionais acreditam que essa batalha legal poderia forçar a FIFA a parar de tomar decisões por conta própria com relação ao calendário.

A FIFPro e as Ligas Europeias estão pedindo à Comissão Europeia que faça valer o que ela diz já ter o direito de fazer como parte interessada: ter voz ativa no calendário de jogos internacionais.

Caso a Comissão se posicione contra a FIFA no julgamento, isso poderia significar uma mudança no cenário de poder referente aos calendários do futebol, com as ligas nacionais e os sindicatos de jogadores tendo maior influência.

Fontes informaram à ESPN que a FIFPro é veementemente contra mudanças superficiais. Em vez disso, ela está buscando uma cooperação no estilo de um acordo coletivo de trabalho com a FIFA sobre o calendário.

“Hoje é um dos dias mais importantes do futebol”, disse o presidente de LALIGA, Javier Tebas. “Para mim, houve dois dias históricos no futebol. Um em 2019, quando impedimos uma reforma da Superliga, e hoje demos um passo muito importante no que acreditamos ser o caminho para mudar a governança das instituições de futebol e não vamos deixar essa oportunidade escapar.”

Qual é o contra-argumento da FIFA?

Por sua vez, o órgão dirigente do futebol reproduz as alegações contra eles e aponta o dedo para as próprias ligas.

“Algumas ligas na Europa – elas próprias organizadoras de competições e reguladoras – estão agindo com interesse comercial próprio, hipocrisia e sem consideração por todos os outros no mundo”, disse em julho em um comunicado quando a queixa antitruste foi anunciada pela primeira vez. “Essas ligas aparentemente preferem um calendário repleto de amistosos e turnês, muitas vezes envolvendo extensas viagens globais.”

A FIFA poderia até argumentar que eles não são os culpados, já que a maioria dos jogos de um jogador em uma temporada da liga é disputada internamente – há apenas 11 janelas internacionais entre a que está em andamento nesta semana e a Copa do Mundo de 2026, representando um total de 20 jogos (sem incluir torneios continentais como a Copa Ouro da Concacaf de 2025 e a Copa das Nações Africanas de 2025) para os jogadores selecionados.

Uma fonte disse à ESPN que a FIFA acredita que o próximo Mundial de Clubes, que terá duração de um mês e envolverá 32 equipes de seis confederações, terá um impacto mínimo no calendário do futebol ou no bem-estar dos jogadores, já que será realizado uma vez a cada quatro anos e terá no máximo sete jogos para qualquer equipe que chegar à final.

A FIFA também argumenta que seu calendário mais recente, definido até 2030, foi aprovado por seu conselho que “incluiu a FIFPRO e os órgãos das ligas”.

“O calendário da FIFA é o único instrumento que garante que o futebol internacional possa continuar a sobreviver, coexistir e prosperar ao lado do futebol de clubes nacional e continental”, acrescentou a FIFA no comunicado de julho. A FIFA também se recusou a responder quando procurada pela ESPN para comentar o assunto na segunda-feira.

A FIFPro e as Ligas Europeias contestam as alegações acima, dizendo que o conselho – que foi criado após o fracasso da Superliga Europeia – só se reuniu uma vez e nunca teve o poder de desaprovar adequadamente o Mundial de Clubes.

Também há uma discordância sobre se os jogadores estão realmente sobrecarregados. Uma análise recente publicada pela Opta mostra que, embora o Manchester City tenha disputado o maior número de jogos na última temporada (59), a maioria dos times da Europa disputou menos de 50 partidas, com cinco times da Premier League disputando 42 jogos na última temporada – apenas quatro a mais do que a temporada completa da liga nacional.

Outro estudo recente do CIES Football Observatory constatou que há apenas uma pequena diferença no número de jogos que os jogadores disputam por temporada em comparação com as décadas anteriores.

Entretanto, uma fonte da FIFPro argumenta que esses números estão distorcidos. A própria pesquisa do sindicato afirma que 72% dos jogadores apoiam a redução do calendário e a garantia de um período de descanso obrigatório, além de dados que dizem que 17% dos jogadores fizeram mais de 55 jogos na última temporada e 30% tiveram uma sequência de seis partidas “consecutivas”.

Essa medida legal poderia impedir o Mundial de Clubes no próximo verão?

Muitas figuras do futebol alinhadas com os sindicatos e as ligas europeias citam a programação do próximo Mundial de Clubes como o momento decisivo em que a ação legal foi considerada necessária.

“A situação está chegando a um ponto crítico”, disse o executivo-chefe da Premier League, Richard Masters, em um comunicado. “O feedback que recebemos dos jogadores é que há futebol demais sendo jogado e que há uma expansão constante.

“A Premier League não mudou de forma. O que mudou nas últimas décadas foi a marcha das competições internacionais e regionais de futebol.”

No entanto, é provável que o torneio do Mundial de Clubes nos EUA, com 12 sedes que receberão os duelos de 15 de junho a 13 de julho, siga como planejado, com fontes dizendo à ESPN que a batalha legal quase certamente não será concluída a tempo.

A queixa antitruste foi apresentada na segunda-feira (14), o que significa que a Comissão notificará a FIFA nos próximos 10 dias e dará a ela a chance de responder. A partir daí, serão realizadas investigações preliminares, embora possa levar quatro meses para que a Comissão responda com sua avaliação inicial e ainda mais tempo para que um caso seja julgado. Tudo isso significa que o Mundial de Clubes da FIFA, que deve começar em 15 de junho de 2025, não está suficientemente distante no futuro para ser afetado.

Uma fonte disse à ESPN que, embora o Mundial de Clubes tenha sido considerado “um passo longe demais” para as pessoas envolvidas nesse desafio legal, o objetivo da reclamação de segunda-feira é uma consulta mais ampla e duradoura sobre o calendário de jogos, em vez de uma tentativa de simplesmente cancelar o torneio.

Há também uma sugestão de que todo o desentendimento sobre o Mundial de Clubes poderia ter sido evitado. Uma fonte disse à ESPN que a FIFPro se opõe firmemente à programação do torneio em sua forma atual, mas estaria aberta a discutir como poderia ter encontrado um lugar melhor para o evento no calendário do futebol.

Por que tomar medidas contra a FIFA?

A composição dessa reclamação é importante. Ela alega que a FIFA, que atua tanto como órgão dirigente quanto como organizadora de torneios, está abusando de seu domínio para seu próprio interesse. A FIFPro e a Liga Europeia argumentam que o conflito de interesses levou a FIFA a desconsiderar a segurança dos jogadores e a sancionar suas próprias competições para poder ganhar mais dinheiro.

Esse também não é o único desafio legal contra a FIFA. Os sindicatos de jogadores nacionais da Inglaterra, França e Itália entraram com uma ação judicial contra a entidade dirigente no Tribunal de Comércio de Bruxelas em junho e estão tentando fazer com que o caso seja julgado no Tribunal de Justiça Europeu.

Esse caso está centrado na legislação trabalhista e nos direitos dos jogadores às férias. Um de seus objetivos é ter um período de descanso obrigatório – entre três e quatro semanas por ano – para que os jogadores se recuperem. A FIFA colocou o Mundial de Clubes no exato momento em que esse período de descanso seria uma medida mais adequada.

Por que a UEFA não foi incluída junto com a FIFA na medida legal?

Essa é uma boa pergunta que não foi respondida com segurança na coletiva de imprensa de segunda-feira.

A FIFA não foi a única a expandir suas competições. A UEFA alterou de forma polêmica as fases de grupos da Champions League, da Europa League e da Conference League, o que significou acrescentar mais dois jogos à programação. A UEFA também adicionou mais jogos internacionais por meio da Nations League, sua competição. Entretanto, uma fonte disse à ESPN que a FIFPro e as Ligas Europeias descrevem a UEFA como uma organizadora e não como uma reguladora, como a FIFA.

“O problema do calendário sobrecarregado não é causado pelas competições das ligas, mas pela FIFA, com seu novo formato e duração dos torneios, e pela UEFA, com a Uefa Nations League e as novas competições de clubes da UEFA, com o aumento do número de datas e jogos”, disse o diretor executivo do Campeonato Italiano, Luigi De Siervo.

“Mas a diferença é que a UEFA fez uma forte consulta a todas as partes interessadas, incluindo as ligas, e decidiu reformar o formato das competições de clubes após uma longa discussão.

“A FIFA impôs seu novo formato e competições sem qualquer discussão, consulta e sem aceitar ter qualquer forma de relacionamento com os outros organizadores de competições.”

Apesar de citar apenas o nome da FIFA, uma fonte disse à ESPN que ainda há uma certa frustração entre alguns sindicatos de jogadores em relação ao nível de consulta da UEFA, que na maioria das vezes se resume a audiências em comitês em vez da necessidade de aprovação dos sindicatos. No entanto, a consulta da UEFA foi considerada satisfatória o suficiente para evitar ser incluída na queixa de segunda-feira.

Isso significa que os jogadores não farão greve?

É evidente, ao ouvir os jogadores falarem, que o nível de frustração é alto dentro dos clubes com relação aos seus cronogramas. Uma fonte da FIFPro argumentou que essas conversas e frustrações estão acontecendo nos vestiários de diferentes clubes, em diferentes países e em diferentes idiomas, sendo que a questão principal é sempre a mesma.

Os comentários de Rodri sobre a probabilidade de uma greve de jogadores foram apoiados por vários jogadores importantes nas semanas seguintes, e a queixa antitruste na segunda-feira pouco poderia fazer para impedir que isso se tornasse realidade.

Uma fonte disse à ESPN que a FIFPro e as Ligas Europeias não estão usando a greve como uma ameaça, embora considerem essa possibilidade como uma corrente subjacente da qual todos os lados permanecem cientes.

A coletiva de imprensa terminou na segunda-feira da mesma forma que começou: Por meio de uma série de entrevistas de jogadores exibidas em um projetor, com um elenco dos melhores jogadores do mundo exigindo uma mudança na programação.

Um clipe de Lionel Scaloni, técnico argentino vencedor da Copa do Mundo de 2022, foi exibido primeiro. “A realidade é que é impensável que isso possa melhorar, porque todos os jogadores atuam na Europa e o número de partidas não vai mudar”, disse ele.

Em seguida, foi exibido um clipe de Thierry Henry e Jamie Carragher criticando a programação, antes de algumas palavras do técnico do Bayern de Munique, Vincent Kompany. “É uma opinião que compartilho há quatro ou cinco anos”, disse ele, acrescentando: “Talvez seja possível, talvez não”.

Essa resposta não virá tão cedo, com a mais longa temporada do futebol em andamento e os advogados se preparando para discutir sobre quem decidirá a solução.


*Tradução: Vinicius Garcia