Nós já temos alguns bons anos de invasão estrangeira no futebol brasileiro, e agora creio ser possível analisar quem está se dando melhor com esse intercâmbio. A maioria dos profissionais de comissão técnica que vêm para o Brasil são oriundos de Argentina e Portugal, imagino que pela boa escola desses dois países e também pela facilidade do idioma. E, a julgar pelos títulos, objetivo máximo do esporte, os portugueses estão levando uma considerável vantagem sobre os “hermanos”.
Flamengo e Palmeiras encontraram em Jorge Jesus e Abel Ferreira, respectivamente, os melhores treinadores de suas histórias. Conquistaram com eles CONMEBOL Libertadores e Campeonato Brasileiro, os principais troféus que esses clubes podem ganhar em nosso continente, um em mata-mata e outro em pontos corridos, o que para muitos significa mais exigência e regularidade no trabalho. O argentino Gabriel Milito levou o Atlético-MG neste ano a duas finais, mas já perdeu a Copa do Brasil para o Flamengo de Filipe Luís, novato e promissor técnico nacional.
Vai disputar a decisão da Libertadores contra um português que faz elogiável trabalho: Artur Jorge. O lusitano está na briga pelo título do Brasileiro com seu conterrâneo Abel Ferreira e entra como um ligeiro favorito na decisão continental em Buenos Aires, uma vez que seu Botafogo ganhou merecidamente o rótulo de time que melhor joga no país. Artur Jorge pode repetir a façanha de Jorge Jesus, ganhando Libertadores e Brasileiro no mesmo ano encantando não apenas os torcedores de seu clube.
Tite, considerado por muitos o melhor treinador brasileiro da última década, naufragou no Flamengo, dono do melhor elenco da América do Sul. Isso depõe contra a categoria do técnico nacional, que tem ele como uma de suas maiores referências recentes. Esperava-se do técnico que dirigiu o Brasil nas duas últimas Copas do Mundo um trabalho muito melhor do que aquele que foi apresentado. Filipe Luís assumiu o time e obteve rápido sucesso por seguir bastante a fórmula de Jorge Jesus, com quem trabalhou naquele mágico ano rubro-negro de 2019 (não é à toa que alguns torcedores flamenguistas chamam seu novo treinador, de forma carinhosa, de Filipe Jesus).
Estão satisfeitos com os resultados e com o desempenho agora do time, mais vertical, direto, contundente. Até Gabigol conseguiu ser útil na reta final desta temporada, marcando dois gols na final da Copa do Brasil e atirando contra o Tite após o título por não ser respeitado pelo ex-técnico. Fernando Diniz e Dorival Júnior chegaram à seleção brasileira em meio aos troféus mais importantes de suas carreiras como técnico, mas ambos não conseguiram agradar na condição de comandante da equipe pentacampeã mundial, o que só aumentou o desejo de muitos por um treinador estrangeiro na seleção, especialmente se esse for o badalado espanhol Pep Guardiola.
A torcida do São Paulo está um tanto quanto dividida com o argentino Luis Zubeldía. Adoram o treinador que parece um torcedor na beira do campo, mas ao mesmo tempo cobra um futebol bem melhor da equipe. Ele apostou alto nas copas, mas caiu diante de Botafogo (Libertadores) e Atlético-MG (Copa do Brasil) por alguns detalhes. Não se sabe ao certo se ele terá respaldo e boas condições para tentar um título de grande expressão em 2025 com o Tricolor.
O Internacional, outro time que estará na luta pela Libertadores na próxima temporada, demitiu o argentino Eduardo Coudet, tão elogiado por alguns, e está feliz da vida com Roger Machado, que levantou o Colorado, melhor time do returno do Brasileirão.
Ramón Díaz, o experiente técnico argentino que salvou o Vasco no ano passado e que neste ano ajudou a salvar praticamente o Corinthians, fez escolhas equivocadas nas semifinais das copas (do Brasil e Sul-Americana), o que significa mais um ano para ele e seu filho no futebol brasileiro sem conquistar um título. O técnico argentino que tem feito mais sucesso no país é Juan Pablo Vojvoda, só que ele ainda não conseguiu dar aquele salto para conquistar um título nacional ou internacional (bateu na trave no ano passado na Sul-Americana). O Cruzeiro apostou neste ano no argentino Nicolás Larcamón, mas cresceu mesmo com Fernando Seabra e entregou a sorte no final da temporada nas mãos de Fernando Diniz. O Athletico-PR está flertando com o rebaixamento tendo neste momento o argentino Lucho González como seu comandante.
Diante deste cenário, dá para dizer que os argentinos estão indo mal no futebol brasileiro? Ou eles apenas têm sido ofuscados pelos portugueses?
A resposta não é tão simples. Primeiro, nem todos os lusitanos têm vencido troféus aqui no Brasil. Neste ano de 2024 mesmo, Pedro Caixinha perdeu seu posto no Red Bull Bragantino após quase dois anos (o time paulista corre sério risco de rebaixamento) e Petit não vingou no Cuiabá, outro clube que tem grande possibilidade de jogar a Série B ano que vem.
O Cruzeiro, que no passado se deu mal com Paulo Bento, também não teve seus dias mais sorridentes com Pepa, para tratar de outros treinadores portugueses que por aqui passaram sem o sucesso esperado. A nacionalidade sozinha não deve explicar o êxito ou o fracasso de um time, e o melhor exemplo disso talvez seja o Flamengo, que decepcionou com argentino (Jorge Sampaoli), portugueses (Paulo Sousa e Vítor Pereira) e espanhol (Domènec Torrent). Miguel Ángel Ramírez chegou ao Brasil gerando muita expectativa e simplesmente não aconteceu. Isso porque ele é espanhol? Claro que não!
Diego Aguirre, uruguaio que levou o Peñarol à final da Libertadores em 2011 e à semifinal neste ano, teve passagens razoáveis por alguns grandes clubes brasileiros, mas de taça mesmo só conseguiu a do Campeonato Gaúcho (pelo Internacional) e a da Florida Cup (pelo Atlético-MG). Talvez os portugueses tenham levado a melhor na maior parte das vezes porque eles escolheram os melhores projetos, apostaram nos melhores elencos. Talvez por serem europeus e terem mais possibilidades de emprego mundo afora, aceitem apenas os trabalhos que tenham realmente grande chance de sucesso aqui. Abel Ferreira trocou o futebol grego pelo brasileiro e já completou 4 anos de serviços prestados ao Palmeiras, clube que tem sido muito bem gerido, da base ao profissional, pagando altos salários aos seus profissionais.
No ano que vem, teremos o primeiro Super Mundial da Fifa nos Estados Unidos. Abel Ferreira vai estar lá dirigindo o Verdão. Filipe Luís, acho, também irá competir no nobre torneio comandando o Flamengo. Resta saber se Mano Menezes será mesmo o chefão do Fluminense na disputa e quem jogará a competição como campeão vigente da Libertadores: Artur Jorge ou Gabriel Milito. O sucesso do Botafogo no Monumental neste ano vai coroar esse domínio português no futebol brasileiro e sul-americano (até 2019, apenas uma vez na história um técnico europeu havia sido campeão da Libertadores: o croata Mirko Jozic, que venceu em 1991 com o Colo-Colo).
Mas, se Milito se recuperar do baque que foi a derrota na final da Copa do Brasil e conquistar o bicampeonato da América para o Galo, vai logo se transformar no treinador argentino com o título mais relevante conquistado em um clube brasileiro. Nós temos o hábito se viver tendências e modismos, já foi a época do espaço para os técnicos mais jovens, o tempo de resgatar os mais experientes, de dar oportunidade para interinos e de importar gringos. Com a economia mais forte da América do Sul, os clubes brasileiros têm cada vez mais condições de contratar treinadores estrangeiros. Essa deve ser a tônica nos próximos anos, pois temos visto títulos brasileiros em série dos técnicos portugueses. De 2019 a 2024, serão quatro troféus para os lusos (a menos que Vojvoda consiga uma façanha) e apenas dois para os brasileiros.
Eu torço, sinceramente, para que os melhores profissionais, de todas as áreas, independentemente da sua nacionalidade, venham para o futebol brasileiro, acrescentem e melhorem nosso produto. Tanto que torço para que Guardiola seja mesmo um dia o técnico da seleção brasileira. Mas torço também para que possamos exportar bons profissionais, como parece ser o novato brasileiro que se preparou bem e acaba de ganhar um título em cima de um treinador argentino. O sucesso de Filipe Luís já repercutiu positivamente na Europa. Assim como os treinadores e jogadores europeus que aqui estão são sistematicamente notícia por lá. Viva a globalização!