O relato a seguir conta a história de Alexsandro Victor de Souza Ribeiro, filho de Alexsandro e Viviane, neto da dona Sueli. Um jovem que diante das dificuldades que a vida no Brasil lhe impôs, jamais desistiu e perseverou em busca do sonho e do sustento para a família. A história de um brasileiro.
Aos 25 anos, Alexsandro é um dos destaques do Lille na Ligue 1 e também na Champions League. O zagueiro de 1m91 chama atenção de grandes clubes do continente pela boa técnica aliada ao porte físico e atuações seguras, como nas vitórias contra Real Madrid e Atlético de Madrid.
Quem vê o Alex hoje em dia, como é chamado pelos amigos, e o ouve falando de maneira tão tranquila e serena, não pode imaginar tudo pelo qual passou. Da infância pobre em Duque de Caxias, passando pela vida nas ruas ajudando a mãe a recolher latinhas e ao desemprego como jogador de futebol, foram muitos obstáculos superados.
O início na base
A primeira experiência de Alexsandro no futebol foi no Bonsucesso. O garoto diariamente fazia o trajeto da Baixada Fluminense, onde cresceu ao lado dos quatro irmãos, até a zona norte do Rio de Janeiro. Um único campeonato disputado e o interesse do Flamengo surgiu.
Com 13 anos realizou uma avaliação no Rubro Negro e foi aprovado por Zé Ricardo, que tempos depois se tornaria técnico do time principal. Na Gávea, Alesandro conviveu com outros jovens talentos do clube, como Vinicius Júnior, Lincoln e Matheus Tuler. Após sete títulos conquistados e pouco mais de dois anos, deixou o Flamengo, seu time de coração.
“Fui muito feliz, infelizmente não dava para continuar, porque a safra era muito boa e eu não era um dos jogadores promissores. Tomei a decisão de ir embora e ver algo melhor para a minha vida”, lembra em entrevista exclusiva à ESPN. No entanto, o melhor não veio para o jovem que estava prestes a completar 18 anos.
Nos 18 meses seguintes, Alexsandro enfrentou o desemprego. Passou por diversos clubes, realizou peneiras, chegou a ficar alojado em alguns deles, mas ao final não foi aprovado em nenhum. Finalmente, o Resende lhe abriu as portas e o sonho de jogar futebol foi renovado. Tanto é que o destaque veio rapidamente e o Fluminense o levou para as Laranjeiras, com promessa de contrato. Que nunca veio.
A família sempre esteve ao lado, mas o jovem sabia que precisava ajudar em casa. “Eu estava muito desanimado porque já tinha passado em oito clubes e não queria mais. Estava cansado, sabe? E já tinha 18 anos, então eu tinha a responsabilidade de ajudar em casa e não estava fazendo, e eu sou irmão mais velho. Ia largar o futebol para poder trabalhar”.
Nesse período, enquanto também jogava futebol na várzea carioca, Alexsandro fez um pouco de tudo para completar a renda. Trabalhou como pedreiro em obras na região ao lado do tio, que não queria que ele estivesse perto da criminalidade. Fazia bico nas feiras de Duque de Caxias e do Rio de Janeiro. Esteve ao lado da mãe pelas ruas das duas cidades recolhendo latinhas e garrafas PET para reciclagem.
“Cara, vou ser bem sincero, quase todos os dias eu pensava isso (em desistir), só que ao mesmo tempo eu tinha que me reerguer, porque minha família precisava de mim. Então toda vez que batia o desânimo, que as coisas não davam certo, que eu recebia um não… Era normal ficar triste, só que eu olhava para o lado em casa e via meus irmãos, minha família passando dificuldade, eu sabia que tinha que voltar”.
“Eu tinha que devia continuar lutando por eles, por mim, por um futuro melhor, por uma vida melhor. Houve muitos momentos em que eu pensei em desistir, mas eu tinha um motivo para continuar, para voltar a sonhar. E eu continuei”.
A virada em sua vida
O foco e a determinação em atingir os objetivos são marcas inerentes à trajetória de Alexsandro.
O reconhecimento desses valores abriu as portas novamente do futebol para o jovem desempregado. Léo Percovich, técnico do sub-20 do Fluminense no período em que o zagueiro passou por lá e atualmente trabalhando no Middlesbrough, ofereceu ajuda. Foi quando o Praiense, clube da Ilha dos Açores, na terceira divisão portuguesa, apareceu em sua carreira.
“Foi o meu primeiro clube saindo do Brasil, chegando na Europa e em Portugal, então foi um impacto um pouco grande, mas eu tive que encarar esse desafio, porque eu tinha que voltar para o Brasil com a mala cheia, e quando eu falo cheia não é de dinheiro, é cheia de alegria, de vontade, de esperança para a minha família. Porque muitas vezes eu voltei com a mala vazia, com o psicológico abalado e foi difícil”.
O acordo com o Praiense era para um período de testes, mas logo no primeiro dia o brasileiro foi aprovado. Foram apenas dez jogos disputados no primeiro ano em Portugal, mas na segunda temporada, com o time na primeira posição e Alexsandro já se destacando, veio a pandemia de Covid.
O período sem futebol não apagou tudo que o jovem zagueiro brasileiro já apresentara nos gramados portugueses. Ele seguiu escalando os níveis em Portugal e foi contratado pelo Amora, um clube também da terceira divisão, mas já com estrutura melhor e vinculado aos seus empresários.
O passo seguinte na carreira foi no Chaves, da segunda divisão portuguesa, na temporada 2021-22. O bom futebol começou a despertar interesse de clubes maiores do país, tanto é que em janeiro, Alexsandro decide recusar uma proposta do Vitória de Guimarães.
“Uma proposta muito atrativa, muito interessante para mim, para o clube, só que decidimos não ir, porque o clube tinha o objetivo de subir para a primeira divisão. Optamos por ficar e ajudar, o que foi muito bom. Ter ficado, poder ajudar o clube a subir de divisão, dar esse acesso àquela cidade que tanto me ajudou, ao clube que tanto me ajudou, foi incrível”.
As divisões menores de Portugal já estavam pequenas demais para o talento de Alexsandro, mas antes de sua saída, outra história o marca bastante.
Alexsandro ia aos treinos do Chaves de bicicleta, fizesse sol ou chuva, calor ou frio. Em um desses trajetos, foi flagrado por um dos dirigentes do clube que o filmou e brincou que “quando estiveres na Liga dos Campeões, essa imagem vai passar na televisão”.
O sonho realizado
Em 2022, o Lille, a pedido do técnico português Paulo Fonseca, pagou 2 milhões de euros ao Chaves pelo zagueiro brasileiro. Em pouco mais de dois anos, saiu da terceira divisão portuguesa para uma das cinco grandes ligas europeias e para a Champions League.
“Se você parar para refletir, são coisas que não acontecem. São coisas que não acontecem e graças a Deus, como eu sempre falo, aconteceu comigo. E se aconteceu é porque eu tenho as condições de chegar longe. Coloco minha cabeça no lugar e digo para mim mesmo que tenho que dar mais do que 100% aqui para as coisas acontecerem mais e mais”.
A temporada 2024-25 é a terceira de Alexsandro pelo Lille, a primeira sob o comando de Bruno Génésio. Após o quarto lugar na Ligue 1 em 2023-24, a vaga na nova fase de liga da Champions veio após classificações contra Fenerbahçe e Slavia Praga. Depois, um jogo especial contra o Real Madrid e a histórica vitória por 1 a 0.
“Foi algo surreal para todo mundo. Conseguimos assimilar bem, trazer tudo o que o treinador pediu, e realizar dentro de campo. Quem assistiu o jogo sabe que foi um grande jogo coletivo da nossa parte”. Não satisfeito, o Lille também já venceu o Atleti. “Dois jogos que vão ficar marcados na nossa memória, na história do clube e estamos muito felizes com isso. Mas também não estamos totalmente satisfeitos porque queremos mais e sabemos que podemos chegar mais longe”.
Estar no Lille, jogar com regularidade em uma liga fortíssima, enfrentar grandes clubes do continente em partidas internacionais… Tudo isso vai se tornando rotina na vida de Alexsandro. Algo, porém, que ele jamais normalizará.
“Eu tinha tudo para dar errado, cara, tudo para hoje estar no crime. Mas estou aqui, e tenho que desfrutar disso, aproveitar cada momento, porque sei que muitos queriam estar aqui. Muitos jogadores, muitas promessas na base como tinha lá no Flamengo e eles não chegaram. Por quê? Não sei, mas eu cheguei, por mérito, por trabalho, por dedicação e quero desfrutar cada vez mais”.
Seleção brasileira é um novo sonho, algo que passa a ser acessível pelo nível de jogo que apresenta, assim como o nível de enfrentamentos. Logo, os ídolos ficam mais próximos também.
“Eu me lembro quando era muito mais novo e nem imaginava estar aqui. Só tinha aquele sonho. Eu via muito o David Luiz e o Thiago Silva no PSG e sonhava em ser igual a esses caras, jogar com eles. Passam alguns anos e hoje eu estou aqui, jogando no mesmo campeonato onde eles jogaram, enfrentando agora o Marquinhos, o Dante… É especial”.
Por fim, uma última história no relato da vida de Alexsandro Victor de Souza Ribeiro. Ainda na época do Chaves, em 2020, escreveu em um pedaço de papel seus objetivos e sonhos. “Quero ter uma casa bem grande, tirar minha família da favela, ser contratado por um time grande e guardar dinheiro para as férias para ver minha família”.
Em 2024, Alexsandro e sua família vivem muito bem. Ele defende um grande clube na maior competição do planeta e já não precisa se preocupar em economizar para viajar ao Brasil. “Tudo isso é mágico”.