Onze meses antes de Philadelphia Eagles e Green Bay Packers se enfrentarem no primeiro jogo da história da NFL no Brasil nesta sexta-feira (6), com transmissão ao vivo do Disney+ a partir 21h15 (de Brasília), a liga desembarcava em Londres, na Inglaterra, para a realização de três das cinco partidas internacionais que aconteceram em 2023 – Frankfurt, na Alemanha, recebeu as outras duas.
Entre os dias 1 e 15 de outubro, o Jacksonville Jaguars venceu o Atlanta Falcons em Wembley e o Buffalo Bills uma semana depois no estádio do Tottenham, que também recebeu o triunfo do Baltimore Ravens sobre o Tennessee Titans. Nenhum jogo marcou aquela temporada, que acabou com título do Kansas City Chiefs, mas o período é fundamental para entender o que acontecerá agora na Neo Química Arena.
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“Conseguimos fazer isso em São Paulo?”, foi a pergunta que Luis Martínez, diretor comercial e de marketing da NFL na América Latina fez a Gustavo Pires, presidente da SPTuris, empresa oficial de turismo da cidade, quando ambos vivenciavam os eventos organizados pela liga para promoção dos jogos em Londres. Àquela altura, a partida no Brasil já tinha ido além de apenas um sonho.
Gustavo Pires, 31 anos, é um entusiasta dos esportes americanos. Participa, por exemplo, de um podcast especializado que discute NFL e NBA. O mais comum é vê-lo na atração com “jerseys”, como são conhecidas as camisas de time nos Estados Unidos. Trazer a elite do futebol americano ao Brasil, e mais especificamente a São Paulo, era um de seus objetivos desde que assumiu a SPTuris, em 2021.
A conversa com Martínez aconteceu quando Pires representou a candidatura de São Paulo naquela série de jogos em Londres. A NFL, que hoje tem a expansão global como uma de suas prioridades, aproveitou aquela ocasião para ouvir propostas oficiais de locais interessados em receber partidas fora dos EUA. Para o Brasil, o Rio de Janeiro também apresentou projeto, assim como Madri e Barcelona, na Espanha.
São Paulo construiu sua aproximação da liga desde os anos anteriores. Buscou contato com a NFL Brasil entre o fim de 2021 e o início de 2022. Nesse segundo ano, chegou aos executivos globais da liga, a ponto de viver expectativa de sediar um jogo já em 2023 – naquela temporada, no entanto, não houve expansão na série internacional, e as partidas seguiram apenas em Inglaterra e Alemanha.
O estádio do Corinthians acabou sendo um fator de desequilíbrio importante para São Paulo contra o Rio, que apresentou o plano de sediar um jogo no Maracanã. A NFL chegou a visitar também o Morumbis, casa do São Paulo, e o Allianz Parque, do Palmeiras, mas valorizou a experiência da Arena em Itaquera tendo recebido a abertura da Copa do Mundo de 2014 e jogos das Olimpíadas de 2016.
“O processo de seleção para jogos de temporada regular da NFL é extremamente complexo. Acho que as pessoas não imaginam tudo que envolve fazer um jogo em qualquer mercado internacional. Quando começamos a olhar para novos mercados, países ou cidades, avaliamos a disponibilidade de estádios que atendam ao mais alto padrão, e olhamos para o estádio do Corinthians, que já recebeu jogos de Copa do Mundo, Olimpíadas”, explicou Gerrit Meier, diretor internacional da NFL.
Não seria exagero dizer que o Rio até largou na frente de São Paulo no plano de sediar um jogo no Brasil, já que, em 2017, teve a oportunidade real de receber a NFL pela primeira vez, com um Pro Bowl, como revelou recentemente Pedro Rego Monteiro, CEO da Effect Sport, agência que cuida dos negócios da NFL no Brasil, em entrevista à “Máquina do Esporte”.
“O jogo seria no Maracanã. A gente fez visita no estádio, veio time de segurança, a coisa deu uma avançada boa, mas aí faltava um aporte do estado e da cidade. A gente teve uma reunião na época com o governador (Luiz Fernando) Pezão, que disse que não haveria condições financeiras de investir, embora a gente tenha tentado explicar que o retorno do investimento seria dez vezes maior.”
O dinheiro que faltou ao Rio naquela ocasião mostra, claro, que esse também é um fator importante. São Paulo, por exemplo, vai investir US$ 5 milhões (quase R$ 30 milhões na cotação atual) na realização de Eagles x Packers, segundo o prefeito Ricardo Nunes (MDB), com a expectativa, por outro lado, de que o jogo da NFL gere algo na casa de US$ 60 milhões (R$ 338 milhões) para a cidade.
Fora isso, há investimentos indiretos, como a realização do “NFL Experience” no Parque Villa Lobos, onde os fãs da liga poderão se arriscar em um tiro de 40 jardas (equivalente a 36 metros) ou tirar fotos com anéis de campeão do Super Bowl ou com o troféu Vince Lombardi. A prefeitura também se comprometeu a incentivar a prática do “flag football”, modalidade semelhante ao futebol americano que será olímpica em Los Angeles 2028, em escolas municipais.
“Não é apenas para obter sucesso no jogo e depois ir embora. Não é o que fizemos em Londres, não é o que fizemos na Alemanha e nem no Brasil. Queremos ter um engajamento em volta, implantar o ‘flag football’ em escolas e na comunidade. Foi todo um contexto que buscamos para fazer a parceria”, explicou Peter O’Reilly, vice-presidente da NFL, sobre São Paulo.
A assinatura de contrato para a partida em São Paulo aconteceu em Dallas, e o anúncio, feito pelo comissário da NFL Roger Goodell, em encontro com os donos de franquias. Gustavo Pires e Ricardo Nunes fizeram uma viagem “relâmpago”, com saída do Brasil em uma noite e retorno dos EUA já no dia seguinte. Na mesma ocasião, a liga comunicou a ampliação de sua série internacional, de quatro para oito jogos, a partir de 2025.
A NFL considera o jogo entre Arizona Cardinals e San Francisco 49ers, no estádio Azteca, no México, em outubro de 2005, como um ponto de virada em seu plano de expansão internacional. Foi a primeira partida de temporada regular fora dos Estados Unidos, após diversos compromissos de pré-temporada em solo exterior. Já a “série internacional” foi lançada oficialmente em 2007, quando o New York Giants venceu o Miami Dolphins, em Wembley, em Londres, na Inglaterra.
Para a temporada 2025, a NFL já anunciou sua primeira partida na Espanha, em Madri, com um duelo a ser realizado no Santiago Bernabéu, estádio do Real Madrid. É essa expansão que faz com que São Paulo tenha um plano ousado, de ter a cidade não apenas como um destino constante da liga, mas que possa receber dois jogos da temporada a partir de 2026.
“O compromisso que a NFL tem com o Brasil é enorme, o compromisso que a NFL tem com a expansão internacional está 100% confirmado. Isso é só uma prova, ou a prova mais clara, que o Brasil é um desses mercados. E uma razão para isso é que o Brasil tem uma população enorme, outra é a paixão dos fãs. A cultura, inúmeros elementos que podemos capitalizar, comida, bebidas… Caipirinha, samba, carnaval. Temos tantas coisas para trazer e fazer essa experiência da NFL no Brasil ainda mais rica”, disse Luis Martínez, à ESPN, já no Brasil para Eagles x Packers.
“Claro, é só um jogo, Semana 1, é isso agora. Mas é hora de expandir isso e continuar crescendo o negócio depois desse jogo. Temos várias semanas depois da primeira e coisas para fazer no Brasil até o Super Bowl… É só uma parte do ecossistema da NFL. Estamos comprometidos a fazer tudo isso em português, queremos ser justos com os torcedores do Brasil, é nosso compromisso para a NFL no Brasil.”
O cálculo da NFL é que o Brasil tem 38 milhões de fãs de futebol americano, sendo que 8,3 milhões são considerados “fanáticos”, fazendo do país o segundo maior mercado para esporte fora dos Estados Unidos, atrás apenas do México – a Inglaterra, por exemplo, consolidada como destino internacional da liga, tem 14,3 milhões de fãs; e a Espanha, que “estreará” em 2025, 13 milhões.
A expectativa é que a Neo Química Arena esteja lotada para Eagles x Packers, com sua capacidade expandida para 50 mil torcedores. É menos da metade dos 103.467 torcedores que viram Cardinals x 49ers no México em 2005, é verdade, mas uma declaração de Gustavo Pires ao próprio Roger Goodell mostra o quanto São Paulo confia no sucesso do primeiro jogo da história da NFL no Brasil.
“Se tivéssemos um estádio para 300 mil pessoas, nós venderíamos 300 mil ingressos”, brincou ele. A previsão, claro, é exagerada; mas quem diria que o país do futebol receberia um dia um jogo do “xará” americano jogado com bola oval?