História é artigo imprescindível para clubes de futebol. Se tiver registro disso em imagens, melhor ainda. E isso não falta ao Botafogo, que sonha em escrever o capítulo mais glorioso desde sua fundação nas próximas semanas.
Testemunha ocular da história recente do Fogão, que disputa a semifinal da CONMEBOL Libertadores nesta quarta-feira (24), contra o Peñarol, no Rio de Janeiro, Vítor Silva é fotógrafo há 22 anos, dos quais 11 foram dedicados ao clube do coração.
Da beira do campo, naquele banquinho para lá de desconfortável, já conviveu com tudo: rebaixamento para a Série B, problemas financeiros, saídas e chegadas de jogadores, transformação em SAF. Uma trajetória que merece imagens impactantes, muitas delas que falam por si só, sem legenda.
É tanto registro que fica difícil escolher as melhores. Mas Vítor Silva aceitou o desafio do ESPN.com.br e elegeu as 15 fotos que, para ele, são as mais marcantes desses tempos recentes de Botafogo. Um trabalho de quem não sai da cola do clube, seja em treinos, viagens e concentrações. Só assim para captar tamanha história.
“As fotos que eu escolhi nem são tão bonitas ou fotograficamente falando, ou as mais difíceis de fazer. Eu escolhi fotos que tinham história. Como eu sou um contador de história, cada foto dessa tem uma história. Se puder contar da melhor forma todas essas histórias, ficarei sempre realizado e satisfeito com o resultado”.
1 – A bandeira na janela do casarão
Essa é uma das que eu gosto em termos de composição, em termos fotográficos. É lá no casarão de General Severiano, onde eu trabalhei muito e tenho saudades. General Severiano respira história. Aquilo ali é a casa do Botafogo de sempre.
Um dia eu estava lá resolvi subir a escadinha que dá acesso àquela varanda. Quando olhei, dava para ver a bandeira. Estava sem vento nenhum, um dia acinzentado, assim. Aí eu olhei aquilo ali e falei assim: ‘Dá para fazer uma foto da janela com a bandeira aqui quando ela estiver tremulando’.
Um dia de céu azul bonito, eu olhei e ela estava tremulando. Fui subir a escadinha para fazer a foto só da janelinha com a bandeira. Aí quando eu olhei, a escada estava com essas sombras maravilhosas vindo das outras janelas. A janela tem um significado muito forte, poético, aquela coisa de abrir a janela de manhã, abrir a janela para a vida. Então, quando eu vi essa foto, eu só esperei a bandeira tremular da forma certa ali, no lugar certinho, e ela veio de primeira. Foram dois ou três primeiros cliques que eu olhei e falei: ‘Nossa que foto maravilhosa’.
2 – Os ídolos dentro do ônibus
Eu estava indo fazer uma outra pauta, acho que era uma reunião do Conselho Deliberativo, uma homenagem. Eu até batizei essa foto de ócio produtivo, porque estava olhando o muro dos ídolos, que vai acabar e para mim tinha que ser tombado.
Eu vi um ônibus passar, vi outro passar. Caramba! Vou só diminuir a velocidade da câmera para não pegar um ônibus parado, porque parado eu não ia conseguir fazer os ídolos por dentro do ônibus. Eu tinha que fazer o ônibus passando assim, mas que desse alguma leitura de janela, e eu consegui, ficou legal.
Eu postei assim, sem a menor pretensão, só porque eu achei a foto bonita, e foi um sucesso total, todo mundo comenta essa foto até hoje. O pessoal começou a brincar no Instagram: os ídolos estão indo para que bairro?
3 – O jogo mais ‘maneiro’ que cobri
A gente teve jogos emocionantes e histórias fantásticas para serem contadas. Mas esse é o jogo mais maneiro que eu cobri no Botafogo, assim, em termos de história. Foi na Libertadores de 2017. E a história dessa foto é fantástica.
É apenas uma foto do goleiro pegando o pênalti, como tantas outras. Mas o enredo desse pênalti é fantástico. Isso foi no jogo com o Olimpia. A gente perdeu o jogo e foi para os pênaltis no segundo jogo. Só que o goleiro desse jogo lá no Paraguai era o Helton Leite e ele se machucou. O Gatito era reserva e entrou.
O Gatito é paraguaio, e ele é cria e toda a família dele torce para o Cerro Porteño, que é o rival do Olimpia. O cara entrou no jogo contra o rival pessoal dele e pegou um pênalti para direita, um no meio, e esse foi o último pênalti que ele pegou para a esquerda. Foram três pênaltis defendidos. E assim, no país dele, contra o time rival dele desde a infância, tendo entrado como reserva, substituindo o Helton Leite. Esse jogo foi demais.
4 – O título carioca de 2018
Eu escolhi essa foto em especial porque uma é que o Gatito é meio timidão. Ele estava lá na dele comemorando o título e tal. E eu lembro que todos os fotógrafos falavam comigo: ‘Caramba, a gente tem que fazer uma foto do Gatito com o troféu’.
Eu já tinha feito assim, mas… meio poluído no meio de uma porção de gente, mas ele pegou discretamente o troféu ali rapidinho. Aí eu cheguei para ele e falei assim: ‘Pô, Gatito, vamos ali no gol fazer uma foto’.
Aí eu peguei o troféu em uma mão, peguei ele na outra e levei até o gol para fazer essa foto. Chamei os outros (fotógrafos). Eu falei para o Gatito: ‘A foto é você, meu irmão. A foto é você’. E quando ele levanta o troféu ali, se você reparar, ele está segurando o troféu assim, não está em pé, está deitado. E a foto dá uma sensação de que ele está segurando tanto o troféu quanto a trave, sabe? Jogando no gol ali. O Gatinho é fera demais, ele merece as melhores fotos possíveis.
5 – Eu ‘fotografei’ o Garrincha
São onze anos no clube e como fotógrafo, você imagina quantas vezes eu eu caminhei ali por General Severiano e vi aquelas fotos do Garrincha antiga, sabe?
Eu sempre fiquei viajando naquelas fotos… Caramba, como eu queria… ter fotografado essa época, com aquele equipamento, com aquele ângulo que era diferente, as lentes eram mais curtas. Se fotografava mais de perto, e as fotos antigas são maravilhosas, em preto e branco
Eu estava cobrindo um jogo e aí que tem a importância do ‘refotografar’. Quando você fotografa, você ‘refotografa’ editando o material. Eu fui fazer uma disputa aérea, a bola estava no alto, e quando eu vi a bola passou na frente da bandeira do Garrincha. Me deu uma sensação, quando eu fiz esse corte na foto, com a torcida, a bandeira e ele cabeceando a bola, foi como se eu tivesse voltado no tempo. Consegui fazer uma foto do Garrincha, cabeceando uma bola.
Tive essa sensação quando vi essa foto. Foi satisfatório demais o resultado, imagina fotografar o Garrincha… Se eu pudesse voltar no passado pra fazer alguma coisa acho que essa seria uma coisa que eu iria escolher.
6 – O ‘Curupira’
Essa foto é legal porque eu tenho inúmeras fotos de jogadores comemorando com fogo ao fundo. Desde que o Botafogo virou SAF, ele utiliza esse artifício de fogo. Acho muito legal, porque vários times usam no mundo isso, mas só o Botafogo é o fogo, então isso é muito nosso.
Várias vezes dá composições bonitas. Eu tenho outras fotos que eu adoro com fogo, mas essa é especial. Ela foi até batizada, chamada de Curupira. O pessoal falou: ‘A foto do Curupira, do Matheus Nascimento, foi genial’.
Mas o meu carinho grande por ela é que essa foto foi publicada num dos maiores jornais esportivos do mundo, que é o AS, da Espanha, na capa inteira, falando do Matheus Nascimento. É uma foto que eu achei sensacional. Ele veio comemorando e o fogo está certinho na cabeça dele, o Curupira mesmo.
7 – O coração de fogo
Essa foto foi um clique de muita sorte, porque como dizer que foi a percepção do fotógrafo, a composição. Você está ali ‘metendo bala’ para pegar algumas fotos deles comemorando com o fogo. Às vezes não dá certo, mas essa aí dei muita sorte mesmo.
O Patrick de Paula faz o gol, se não me engano, é o primeiro gol dele com a camisa do Botafogo. Até então era o jogador mais caro da história do Botafogo. Veio com status lá no alto, assim, e no primeiro gol já veio uma foto fantástica, porque ele faz o símbolo do coração. E o fogo atrás tem forma de coração. Ele tá com a mão dentro do coração de fogo.
8 – Agarrando o sol
Como eu venho de jornal, a gente fazia muitos ensaios fotográficos em matérias especiais. Você vai no clube fotografar o jogador. Não é o jogador fazendo embaixadinha, com a bola embaixo do braço. Tinha que tirar um coelho da cartola, fazer uma foto diferente!
Eu e o departamento de comunicação tivemos essa ideia, que o jogador chegue tendo tempo. E nessa época foram contratações dessa nova era do Botafogo. Foram uns sete ensaios na semana, um por dia. E já não tinha mais de onde tirar uma foto diferente, porque eu já tinha explorado aquele estádio inteiro…
O do Lucas Perri foi o último ensaio da semana. Eu lembro que deu umas fotos legais. Mas aí a tarde estava caindo, já tinha terminado o ensaio, eu olhei o sol ali entrando e falei que eu precisava fazer mais uma foto. Aí eu fiz essa aí. Pedi para ele fazer o braço como se estivesse segurando outra bola. E aí ele segura uma bola e a outra é o sol. Achei bem criativa essa foto.
9 – O Brasil é fogo
A sorte acompanha o trabalhador. Então, essa foto foi sorte. Ela vem de um jogo vazio, sabe? Se você reparar, as pessoas, assim, no fundo da foto estão até se preparando para ir embora, assim, conversando, porque o jogo já tinha acabado.
Eu, geralmente, faço o foco na torcida com o fogo à frente, né? Falei, cara, vou fazer o foco no fogo e vou ver se vem alguma coisa. E aí comecei a clicar o fogo, loucamente. Fui passando as fotos e quando eu fui ver, eu olhei assim, a priori, eu nem dei tanta atenção nessa foto não. Eu olhei assim, nossa, parece uma foto do Brasil. Será que eu estou viajando? Eu comecei a olhar ela com mais carinho, isso é o mapa do Brasil perfeito ou da América do Sul. Um dos dois. Quando eu publiquei essa foto foi um fenômeno.
10 – ‘Quer que eu dê um voleio?’
Eu tenho umas fotos que eu faço sempre, que eu criei até uma série, que é o Lambretão do Fotógrafo. Eu peço para o jogador me dar uma lambreta, a matadinha aérea, que eu chamo a matadinha do Neymar, aquela de futebol, que mata de letra. Aí eu componho com um fundo bonito, é sempre uma foto legal.
No finalzinho ele disse assim: ‘Tá bom? Deu para o gasto?’. Eu falei assim: ‘Pô, está faltando só a última. Você dá um voleio pra mim, uma bicicleta?’ Ele riu e eu falei: ‘Estou brincando…’. Aí ele: ‘Quer que eu dê um voleio?’. Eu tentei fazer exatamente que é o contorno da montanha e ele ficar sozinho no céu, para a foto ficar bonita.. Ele um voleio com o pé no chão, né? Eu falei: ‘Não, um voleio com o pé no chão, não quero. Quero você voando’.
Ele deu um voleio desse voando. Ele é um cara muito carismático. Eu nem pedi para ele sorrir e ele com o maior sorrisão na foto. E ele acabou ficando numa posição que ele continua a curva da montanha, do morro. Você imagina, o jogador mais caro do futebol brasileiro na época… Já pensou se ele cai, se machuca só porque estava dando um voleio para mim?
11 – A emoção
O Pimpão jogou muito esse jogo, demais E eu costumo ficar no Nilton Santos no lado oeste, que é o lado dos bancos de reserva. E esse jogo, eu não lembro porque, eu fiz do lado leste, fiz daquele lado.
Quando acaba o jogo, ele sai extasiado, assim, né, mega ovacionado pela torcida, aplaudido, e chorando emocionado. Ele passa assim, foi próximo a mim essa foto. Quando eu olhei, ele estava aplaudindo a torcida, e tinha a tradicional faixa dos ídolos da torcida do Botafogo. E ele era um ídolo daquela Libertadores.
12 – O ressurgimento de um novo Botafogo
Fotograficamente é só um registro, mas um registro de uma festa maravilhosa. Eu adoro as fotos dos mosaicos do Botafogo na Libertadores de 2017 e desde o ano passado, os mosaicos passaram para um outro nível.
O pessoal do movimento Ninguém Ama Como a Gente é muito fera e trabalha em parceria com o Botafogo também. Eles dão a vida para fazer essa festa maravilhosa. Esse mosaico especial da Fênix é o simbolismo de ressurgimento do Botafogo. Então, escolhi esse.
13 – O Seedorf fazia chover
Querendo ou não, como contador de história do Botafogo, é uma honra ter fotografado essa. Eu cheguei em 2013, no time que o Seedorf jogava, e é um cara que eu sempre admirei demais, daqueles que se jogava videogame com ele.
O Seedorf é um craque de bola dos maiores que eu trabalhei no Botafogo. Essa foto é num clássico em Flamengo no Maracanã. Para quem fotografa o cotidiano do clube sabe que clássico é diferente, né?
Essa foto, plasticamente é muito bonita porque ele dá uma matada com a perna muito no alto. O Seedor fazia chover mesmo, né?
14 – A luz de um ídolo
Tem que ter uma foto do Jefferson. Um dos gigantes, dos maiores ídolos do Botafogo. Tenho muito orgulho de ter trabalhado com ele, de ter relação com ele até hoje. Essa foto mostra como a fotografia às vezes não é o que parece.
Essa foto eu fiz no treino a noite, no campo anexo do Nilton Santos, naquela iluminação precária na época. Eu vi ele parado assim e encaixei a cabeça dele na frente do refletor. Deu aquele quê de iluminado. Deu aquela aura em volta da cabeça dele. As pessoas falam: ‘Aquela foto do Jefferson iluminado com as estrelas’. Não era estrela… O tanto que tinha bichinho de luz nesse dia… Eles que deram esse aspecto de estrelas. Como tinha a Lua, parece que é um céu estrelado, com ele iluminado, dá uma imponência.
15 – Amassando a bola
Tem uma ‘série‘ que eu chamei de amassadinha. Que, assim, todo fotógrafo esportivo gosta muito. Quando você pega uma foto que o jogador está amassando a bola, seja com o pé, joelho, cabeça…
Eu nunca fiz de novo e eu nem sei se vou conseguir fazer uma foto igual a essa, de dois jogadores… amassando a bola ao mesmo tempo. Foi uma dividida mesmo, não é brincadeira não. Eles foram dividir de cabeça e estão os dois ali quase estourando a bola. Então, amassadinha dupla. Gosto muito dessa foto.
Extra: a foto mais especial de todos os tempos
Essa foto, em especial, ela tem um componente pessoal e a história dela mexe comigo.
Um tempo atrás, minha filhinha de 7 anos perguntou para mim assim: ‘Qual é a sua foto preferida de todos os tempos?’. Eu nunca tive essa resposta, porque eu tenho carinho por tantas.
Mas hoje em dia eu tenho uma fotografia para dizer que é a minha fotografia preferida de vinte e dois anos de carreira. Essa menina aí é minha filha. Alice, meu amor. Nós moramos longe, em outro estado. Isso é muito difícil… O mundo do futebol é repleto disso.
Ela estava de férias comigo e solicitei ao clube para que ela pudesse entrar em campo com os jogadores. Ela entrou com o meu xará Victor Cuesta. Na hora do hino, o time ficou perfilado e ela ficou à frente do Cuesta e na frente dela estava o Perri. E eu estava fotografando as crianças. Botei uma lente fechada, fui fazer a foto dela, quando eu olhei, ela estava beliscando a luva do Perri.
É até engraçada a sequência, porque ela belisca e disfarça, e o Perri não entende nada. Essa foto é fantástica, é uma criança tocando o imaginário, o intangível ali, descobrindo como é a luva do goleiro.
Próximos jogos do Botafogo:
Peñarol (C) – 23/10, 21h30 (de Brasília) – CONMEBOL Libertadores
Red Bull Bragantino (F) – 26/10, 19h (de Brasília) – Campeonato Brasileiro
Peñarol (F) – 30/10, 21h30 (de Brasília) – CONMEBOL Libertadores