Jean Silva, de 28 anos, é um lutador brasileiro de MMA que faz parte do UFC desde setembro de 2023. Em menos de um ano na empresa, contando com sua estreia, lutou três vezes e conquistou três nocautes consecutivos, chamando a atenção do restante da divisão dos pesos penas. Agora, no UFC Seattle, no dia 22 de fevereiro, enfrenta o armênio Melsik Baghdasaryan para continuar sua boa sequência.

Atleta da equipe “The Fighting Nerds”, o brasileiro conhecido como “Lord” teve performance de gala ao nocautear Drew Dober, via intervenção médica, após quebrar as duas mãos durante a luta. Agora, ao lado dos seus companheiros de equipe, figura como uma das grandes promessas da promoção, e se aproxima cada vez mais do ranking dos penas.

Fissurado pela profissão, seus olhos brilham ao se autointitular “o cara mais agressivo dessa parada”. Jean “Lord” Silva é hoje um homem confiante que garante que será o detentor do título dos pesos penas no futuro, projetando inclusive uma disputa pelo cinturão BMF.

Entretanto, muito antes de colecionar nocautes, reunir bônus e ser mais um dos “Fighting Nerds” tomando o UFC pelas rédeas, Jean foi apenas um menino que precisou usar as artes marciais como forma de escape de adrenalina, como revelou em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br.

”Eu brigava muito na rua”

Jean Silva vive imerso nas artes marciais, mesmo longe dos treinos. Sua mãe foi lutadora de boxe, enquanto sua esposa, Carol, é sua técnica e parceira de treinos ainda hoje no UFC. Mas, mesmo com toda a presença do esporte na família, foi nas ruas que o lutador abriu o caminho para eventualmente chegar ao MMA.

“É meio louco. Na verdade, eu brigava muito na rua, engraçado isso”, relembra Jean. O Brasileiro continua revelando: “Aí acabei entrando no Muay Thai, para, acho que, aliviar um pouco aquela adrenalina do corpo. E eu era moleque, tinha 14 anos”.

E o Muay Thai foi a grande paixão da vida de Jean no mundo das artes marciais. Passando longe de misturar algo para se tornar um atleta de MMA, foi seu outro grande amor, a esposa Carol, que o convenceu a mudar de esporte.

O brasileiro relembra sua mudança de modalidade, dizendo: “Logo casei com a minha esposa Carol, e a gente não ganhava muita grana no Muay Thai. Aí ela teve a brilhante ideia de falar: Vamos tentar lutar MMA. MMA dá dinheiro”.

Entretanto, apesar de “brilhante”, a proposta, inicialmente, não foi muito interessante para Jean, que admite: “Eu, particularmente, não curti muito a ideia porque eu tinha aquele pré-conceito com o jiu-jitsu, ficar agarrado. E aí ela falou: vamos tentar”.

Apesar da falta de identificação inicial, a chegada de Jean Silva ao MMA não poderia ter sido mais avassaladora, como ele relembra: “A gente foi, acabamos nocauteado o cara no primeiro round, acho que com 11 segundos de luta, e aí a gente iniciou esse trabalho”.

E assim, Jean se convenceu que o MMA era o seu lugar. A transição definitiva do Muay Thai para a nova modalidade, entretanto, não foi difícil para o futuro atleta do UFC: “Acabou que a adaptação de um esporte para o outro não foi difícil. Uma porque eu amo o que eu faço, nunca foi um sacrifício. Então, quanto mais eu treinava, mais feliz eu estava, então quando falaram: olha, você vai ter que treinar grappling, eu respondia: vamos nessa”.

Tendo encontrado a modalidade para traçar seu caminho como profissional, Jean, entretanto, ainda precisava de mais. Sentindo falta de estrutura e oportunidades em Florianópolis, o “Lord” viria para São Paulo, sem compromisso, e acabaria conhecendo a equipe que mudou sua carreira.

”Aqui é meu lugar”

Dono de uma mão pesada e de cotoveladas certeiras, Jean já era um exímio lutador ainda em Florianópolis. Como ele destaca: “Ser nocauteador faz parte da minha vida. Então a gente vai continuar nocauteando todo mundo e é isso. Vou nocautear todo mundo, não estou nem aí”.

Entretanto, hoje Jean diz que nocauteia seus oponentes “na elegância”, reconhecendo uma melhora em seu jogo. A grande virada de chave para que o “Lord” chegasse nesse sucesso e nessa habilidade atuais foi, sem dúvidas, sua vinda para São Paulo, onde, depois de muita insistência, conheceu Pablo Sucupira, fundador e head coach da “The Fighting Nerds”

Relembrando sua mudança de cidade, Jean revela sua incerteza inicial quando ouviu falar da equipe pela primeira vez: “É engraçada essa história. O meu empresário, que trabalha com o Maurício Ruffy, com a Bruna Brasil e com o Caio Borralho também, já tinha falado comigo sobre a Fighting Nerds lá em Floripa, o que que eu achava de vir para cá. E sempre foi só eu e a minha esposa, a gente sempre treinou sozinho em casa, na garagem, então sempre ficava naquela: vou lá, às vezes nem é tudo isso aí e aí eu me ferro”.

Entretanto, depois de receber ainda mais incentivo de conhecer a “The Fighting Nerds” de um amigo, seu dentista, o “Lord” relembra o exato motivo que o convenceu a mudar de cidade: “Passado um tempo, eu parei para olhar onde eu estava, que era em Florianópolis, e não tinha ninguém aonde eu queria estar, nem se encaminhando para lá. Aí eu falei: Cara, vou dar o tiro. Vim para cá, fiz uma luta em São Paulo, decidi fazer uma visita aqui com o Pablo, que me convidou. E no primeiro treino eu já tinha entendido que aqui era meu lugar”.

E foi o trabalho da “The Fighting Nerds”, ao lado de nomes como Pablo Sucupira e do “Legendário” Flávio Álvaro, que fez Jean Silva chegar ao Contender Series e entrar no UFC. A partir daí, foram eles juntos que conquistaram três nocautes seguidos para chamar a atenção de toda a companhia.

E Jean reconhece isso, apontando como fazer parte da equipe o tornou um lutador muito mais preparado: “O Pablo faz um trabalho absurdo com a gente. A gente sabe tudo que vai acontecer na luta, tudo. Costumo dizer que o Pablo sabe o CPF do cara, o CNPJ, se ele tem empresa, o CEP, o lado que ele dorme na cama, a gente sabe tudo, se o cara foi sofrido ou não. A gente estuda a vida dele para depois partir para a luta”.

Entretanto, não foram só os estudos e a preparação características da “The Fighting Nerds” que alteraram e evoluíram Jean como atleta. O “Lord” explica como uma abordagem diferente e personalizada que a equipe tem para cada atleta, potencializando o que ele pode, e gosta, fazer dentro do octógono.

Esmiuçando o trabalho da equipe, Jean explica que: “O jeito que eu, o Pablo, as pessoas estudam, sentam para assistir as lutas é legal. Mas o que realmente me chamou a atenção e fez eu estar aqui hoje foi que eles sabem interpretar o atleta. Eles não tentam mudar o atleta. Se eu chegasse para o Pablo e falasse: eu quero sair na porrada, ele vai falar: beleza, mas vamos trabalhar para você sair na porrada de uma forma inteligente”.

O estilo desenvolvido por Jean ao lado de Pablo, inclusive, lembra muito o de uma lenda do octógono, algo que o próprio brasileiro destaca: “Eu sou um grande fã do Chuck Liddell. Acho que não é segredo para ninguém que a ideia da luta dele sempre foi ir lá, defender queda e jogar mão na cabeça dos caras. E eu sou assim”.

E o lutador brasileiro esbanja confiança na sua técnica, cravando que: “Falar do Jean e da Fighting Nerds é alquimia e o caos, completamente. Eu sou literalmente o cara mais agressivo dessa parada, não importa se você acredita, se você não acredita, eu não estou nem aí. Se você não gosta de mim, vai ter que reclamar com Deus, ele que me fez assim”.

Foi a junção de todo esse trabalho de preparação e interpretação do atleta junto com o estilo mais agressivo de Jean que permitiram que ele chamasse a atenção do UFC, chegando a empresa por meio, como aponta o brasileiro, “do pior contrato do mundo”.

”Agora a gente vai começar a colher bons frutos”

Após experimentar da alquimia da “The Fighting Nerds”, Jean precisava dar o próximo passo em sua carreira: chegar ao UFC. Já tendo Caio Borralho, fundador da equipe, como exemplo dentro da companhia, o “Lord” seguiu o mesmo caminho de seu companheiro e tentou sua vaga no “Dana White ‘s Contender Series” (DWCS).

O DWCS é uma competição promovida uma vez por ano entre lutadores que ainda não estão sob contrato com o UFC. A ideia é que todos possam mostrar sua habilidade em algumas lutas em frente a Dana White, presidente da organização e pessoa que toma decisões quanto a contratações. O embate se torna quase como uma entrevista de emprego, em que pessoas como Jean Silva mostram por que merecem entrar na promoção.

Jean lembra exatamente como foi o dia em que recebeu a proposta para participar do seriado, em um momento crítico de sua vida: “Caraca, mano, acho que essa parte ali do Contender (Series) foi uma boa briga na verdade. Porque quando eu decidi parar com tudo, pela primeira vez na minha vida eu decidi isso, parei, falei: não funciona mais, não está dando certo. Nesse dia, que eu estava para ir embora, para voltar para Florianópolis, o meu empresário chegou com o contrato. Ele e o Caio Borralho chegaram com o contrato do Contender. Então foi muito emocionante, até tem uns vídeos, foi bem emocionante lembrar disso”.

Quanto a sua luta, e seu subsequente contrato com o UFC, Jean se emociona ao lembrar da tensão que viveu nesses momentos decisivos: “Entrar lá no Contender eu acho que é o pior contrato do mundo, porque é um contrato que você tem na mão e não tem. É como eles gostam de falar, é uma entrevista de emprego. Mesmo ganhando a luta, eu sentei lá e eu sabia que eu ia ser contratado, eu sabia, mas mesmo assim eu estava: mano… tanto que o Dana me chama duas vezes, aí depois ele me chama de novo que eu estou parado assim, chorando. A primeira sensação quando eu fui contratado foi a de sair um peso das minhas costas. Chegamos, agora a gente vai começar a colher bons frutos”.

E foi vencendo Kevin Vallejos por decisão unânime que o brasileiro, saído de Florianópolis, conseguiu seu contrato no UFC e teve a oportunidade de fazer sua primeira luta oficial na companhia. E o próximo passo pro “cara mais agressivo da parada” só podia ser um: o nocaute.

”A luta mais louca da vida”

Ao entrar no UFC, Jean Silva encarrilhou incríveis três nocautes seguidos nas suas primeiras três lutas. O primeiro, em janeiro, no UFC Vegas 84, foi contra Westin Wilson, que sucumbiu aos socos do brasileiro ainda no primeiro round.

Em seguida, o “Lord” emendaria uma luta no UFC 303, que ocorreu no dia 29 de junho de 2024, com outra no UFC on ESPN 59, que aconteceu no dia 13 de julho de 2024. O pouco tempo de intervalo, entretanto, não impediu que ele ainda tivesse performances espetaculares.

As duas lutas, inclusive, apresentaram suas complicações únicas para Jean Silva, Pablo e toda a equipe da “The Fighting Nerds”. Fora o tempo de preparação muito curto, o brasileiro se lesionou antes do primeiro embate e quebrou as duas mãos durante o segundo.

Relembrando do sofrimento antes da primeira luta da sequência, Jean revela que: “Falar primeiro ali do Charles Jourdain, que foi no 303, o do Poatan. Eu acredito que foi a luta mais louca da vida, a mais difícil, porque a gente teve várias complicações. Infelizmente, eu acabei caindo da escada, meu ombro infelizmente saiu fora do lugar, voltou, a gente nem sabe o que aconteceu. Então a gente fez isso acontecer, chegamos lá, infelizmente não batemos o peso, eu queria ser o último cara a não bater o peso dentro dessa organização, mas creio que não vou ser”.

Recuperado do ombro, que foi machucado já em Las Vegas, local do UFC 303, Jean conseguiu fazer mais uma performance de gala: “A gente já sabia como eu ia nocautear, tanto que no intervalo do round, o Pablo fala: no final, a gente vai nocautear ele. E isso tudo, a gente tem vídeo, a gente treinando aquilo ali, como sair, como pegar de gancho, tudo certinho. Então, falar do Charles Jourdain é falar da superação mais louca das nossas vidas”, conclui.

Normalmente, após escalar uma montanha tão grande quanto Jean precisou durante sua luta contra Jourdain faria uma pessoa querer, no mínimo, descansar. Não é o caso do lutador brasileiro. Pouco depois de seu primeiro embate, quando ele poderia estar se recuperando fisicamente, “The Lord” já se preparava para lutar mais uma vez.

“Nós todos saímos da luta do Charles Jourdain com muita vontade de brigar, não só eu. E aí soubemos que a luta do Drew Dober caiu, e o Flávio e o Pablo nem me perguntaram. Falaram: vamos pegar essa luta. Então a gente pediu a luta, o UFC não deu, conversamos com o meu empresário, ele brigou, brigou, eles negaram, brigou, brigou, negaram. Todo mundo recusou a luta, por causa da altitude… e aí não tinha o que fazer, o Sean Shelby (matchmaker da companhia) falou: não tenho o que fazer, vocês querem essa luta mesmo? Aí a gente falou que queria”, relembra Jean.

“A gente pediu no domingo, na quarta-feira, 1 hora da manhã o Ivan falou: olha, eles aceitaram, tu vai lutar com o Drew Dober. Então a gente pegou a luta na quarta, eu estava bem acima do peso, estava com 83 kg, ia lutar com 70 kg, a gente fez o processo ali já de bate e volta, eu estava em Vegas, eles chegaram aqui no Brasil, no dia seguinte já voltaram para Denver. E chegou lá, foi aquilo que eu falei, o Drew Dober nunca tinha tomado uma cotovelada na cara e eu ia ser o primeiro a fazer isso”, explica.

Entretanto, a rápida reviravolta entre os embates, com Jean ainda se recuperando da primeira luta, pouco afetaria o brasileiro: “Cara, falando: ah, 9 dias, pouco tempo. Mas se a gente for olhar mesmo, é que hoje a gente está recebendo crédito de algo que a gente faz há anos. Então não foram nove dias, pro Lord, pro Jean, são 14 anos. A gente já está no UFC, a gente faz bastante isso, a gente luta para sobreviver, a gente luta para poder treinar. Então, se tiver luta a cada dois finais de semana, a galera vai estar lutando porque precisa lutar também para ganhar um dinheiro”.

“Não é expectativa não, é realidade”

Agora, como, realisticamente, um lutador pode continuar após uma sequência insana de três nocautes? Qual é o destino final de Jean que, mesmo ainda sem ranking, já destruiu os nomes e promessas do peso pena? O que o brasileiro fará caso saia vitorioso do embate com Baghdasaryan? Para o brasileiro, o destino final é claro, e é um só. E ele está longe de ser um sonho,

“Não é expectativa não, é realidade. Final do ano a gente vai estar com o cinturão dentro dessa academia, colocado aqui na parede. E posso falar com toda a certeza também que o do Caio vai estar ali”, diz o Lord, destacando também seu companheiro de equipe, Caio Borralho.

“Com toda a certeza, porque nunca foi meu objetivo pegar o cinturão, isso está na minha rota, isso vai acontecer porque eu trabalho para isso. Meu sonho é casar na igreja, ver a minha mulher entrando, ver meu pai, a minha mãe. Agora, dentro do trabalho, é que nem você trabalhar para subir de cargo, então o cinturão vai vir”, concluiu o brasileiro.

Agora, o próximo passo dessa trajetória será dado no dia 22 de fevereiro, quando Jean Silva enfrentará, e certamente buscará nocautear, Melsik Baghdasaryan no card principal do UFC Fight Night Seattle. O Lord vai buscar despachar seu oponente, que ostenta um retrospecto de 8 vitórias e 2 derrotas, para continuar na busca do que, para ele, já é uma realidade: o cinturão da categoria.