Finalista do Brasileirão feminino, o São Paulo tem Bia Menezes como uma das protagonistas da equipe na competição. A lateral, antes mesmo de fazer sucesso com a camisa tricolor, precisou ter muita resiliência para viver este momento especial na sua carreira.
A jogadora, de 27 anos, enfrentou inúmeras dificuldades, que passaram por jogar futebol com cabeça de boneca ao drama familiar de perder sua maior incentivadora: a mãe.
“Minha relação com o futebol começou desde muito pequena, quando minha mãe me dava bonecas e eu tirava a cabeça delas para jogar futebol. Chutava dentro de casa e minha mãe falava: ‘você vai arrancar a cabeça das bonecas por quê? Eu falava: ‘mãe, eu gosto’. Acredito que foi um dom de Deus na minha vida que surgiu dentro do meu coração”, relembra Bia Menezes.
Contudo, o pai de Bia não conseguia aceitar o desejo da filha. A alternativa para a garota era sair escondida de casa para jogar com os meninos na rua. Aos 8 anos, ela começou a treinar em uma escolinha de futebol em São Bernardo do Campo, onde treinava junto com os meninos porque o local não tinha categoria feminina.
“A aceitação da minha mãe foi muito imediata porque ela acreditou que seria possível, ela acreditou no meu sonho. O meu pai não muito, para ele era difícil de aceitar, ele não gostava que eu jogava, mas a minha mãe foi primordial quanto isso, ela comprou chuteira, comprou uniforme. O meu pai só aceitou mesmo quando eu fui convocada para a seleção de base.”
A lateral-esquerda iniciou sua jornada no futebol ainda jovem, integrando as categorias de base do São Bernardo Futebol Clube e Centro Olímpico. Passou, ainda, por clubes como Audax, Rio Preto, Flamengo e Santos, até chegar ao São Paulo, sua equipe atual.
Luto e superação
Bia Menezes contou os momentos difíceis que passou após perder precocemente sua mãe, justamente sua maior apoiadora, e revelou que pensou em desistir do futebol.
“Acho que falar da minha mãe a voz até embarga um pouco. Hoje eu lido um pouco melhor com isso, mas costumo dizer que ela acreditou mais no meu sonho do que eu mesma, porque ela sempre me apoiou mesmo quando meu pai chegava em casa e brigava com ela porque ela me deixava jogar. Eu digo que esse sonho não era só meu, era dela também. Hoje, eu vivo esse momento da minha carreira, vestindo a camisa do time do coração dela com muito orgulho e com muita gratidão dentro do peito, porque minha mãe foi fundamental para esse momento estar acontecendo”, disse a atleta.
“Minha mãe faleceu em 2021 em decorrência de um câncer cerebral. A descoberta da doença foi inesperada, porque a gente descobriu com uma dor de cabeça. A gente jamais imaginaria que uma dor de cabeça seria um câncer cerebral. A minha mãe operou em setembro, retirou boa parte do tumor, mas por ser um tumor maligno eu já sabia que em algum momento minha mãe iria falecer. Durante todo o período que ela ficou no hospital, eu mergulhei de certa forma no histórico da doença, nas causas, queria entender o que poderia fazer pra ajudar minha mãe”, relembrou.
“Em inúmeros artigos que eu li, tinham tabelas de sobrevida de idade, tipo de câncer e média de sobrevida pós-descoberta. E na idade da minha mãe, com o tumor que ela tinha, o tempo era de 2 a 3 meses. Eu já sabia disso e guardei comigo, mas sempre tive muita fé que um milagre poderia acontecer. Em novembro minha mãe faleceu e foi onde meu chão abriu literalmente”, prosseguiu.
“Eu pensei em desistir do futebol, porque meu sonho de ser jogadora era justamente para mudar a vida da minha mãe, mudar a realidade da minha casa. E durante todo esse tempo que eu batalhei, que eu lutei pela minha carreira, pelo meu sonho, eu consegui realizar alguns sonhos da minha mãe. Infelizmente ela não está aqui para ver esse momento, mas tenho certeza que ela está muito orgulhosa, muito feliz”, finalizou.
Seleção brasileira
A resiliência de Bia, aliada ao apoio de familiares e amigos, foi premiada com a realização de mais um sonho, talvez, o maior deles. Em fevereiro de 2024, a jogadora foi convocada pela primeira vez para a seleção brasileira principal, para disputar a Copa Ouro.
“A seleção brasileira sempre foi um sonho e continua sendo. Esse ano, tive minha primeira convocação para a seleção principal e foi uma convocação muito especial. Tive a oportunidade de marcar logo na minha primeira partida oficial. Poder homenagear minha maior incentivadora com um gol, vai ficar gravado eternamente dentro do meu coração e na minha memória. Vou continuar trabalhando aqui no São Paulo para quem sabe ter uma nova oportunidade.”
Neste domingo (15), o São Paulo recebe o Corinthians, no Morumbis, pela jogo de ida das finais do Brasileirão Feminino, e Bia Menezes projeta um confronto complicado.
“A gente teve dois confrontos difíceis com elas esse ano, confrontos muito disputados. A gente sabe que vai ser um jogo difícil, o Corinthians vem sendo campeão nos últimos anos, e a gente está trabalhando para quebrar esse tabu. Vai ser uma decisão muito disputada em todos os sentidos, seja numa falta, numa cobrança rápida, em todos os aspectos a gente sabe que vai ser difícil. A gente conta muito com o apoio da nossa torcida, principalmente dentro de casa.
Veja abaixo a entrevista na íntegra
Você trabalhou com o Lucas Picinato (técnico do Corinthians) no Centro Olímpico, por conhecê-lo bem, rolou alguma dica para a comissão do São Paulo?
Resposta: Não rolou nada do tipo, até porque a nossa comissão também conhece ele, conhece o trabalho dele. Então acho que quanto a esses detalhes que a gente sabe que de certa forma entram no jogo, não tem rolado dentro do nosso elenco. A gente está muito focado no que tem que fazer para vencer a partida, então esse é o nosso objetivo. Pô, se conhece, se não conhece, são coisas que a gente não consegue controlar, porque o futebol ele pode ser muito imprevisível. O futebol é uma caixinha de surpresas, então a gente sabe que o jogo vai ser definido em detalhes.
Como você analisa esse momento da sua carreira?
Resposta: Eu vivo nesse ano a fase mais artilheira dentro da minha carreira. Considero o melhor momento como atleta profissional. Esse ano tem sido muito especial, principalmente por estar marcando gols e estar ajudando o São Paulo a conquistar os nossos maiores objetivos.
O quão especial foi chegar a final do Brasileirão com a Carla pegando três pênaltis?
Resposta: Eu conheço a Carlinha desde os meus 15 anos, a gente começou juntas no Centro Olímpico e viver esse momento com ela, assim como com a Maressa também, que são pessoas que tiveram no início, é muito especial. A gente lutou por esse sonho há muitos anos atrás e olhar para o lado e eu ver que eu tenho uma pessoa que sabe da minha história, que sabe quem eu sou e lutou comigo também é muito especial. A gente está buscando o extraordinário todos os dias, porque esse é o nosso principal objetivo. Estar na final e conquistar a vaga para a Libertadores foi um objetivo traçado desde o início do ano, a gente tinha isso como meta, e hoje a gente vai viver esse momento, essa final.
O que representa o São Paulo na sua vida?
Resposta: A realização de um sonho, porque minha mãe sempre me disse que o sonho dela era que eu jogasse no São Paulo. E quando eu me dei conta, eu estava aqui realizando esse sonho. O São Paulo é um time de muita tradição dentro do futebol e vem construindo isso dentro do futebol feminino de uma forma muito humilde, galgando lugares muito maiores. Quando eu cheguei aqui me senti muito a vontade, o elenco me recebeu super bem, me trouxeram uma essência que talvez estivesse um pouco escondida. Eu me sinto muito à vontade, me sinto em casa. O apoio das minhas companheiras, comissão técnica e a confiança da diretoria refletem o que eu estou vivendo hoje. A evolução que eu tive desde que eu cheguei no São Paulo é bem notória.