Foi em um dia 30 de outubro, como nesta quarta-feira, que Abel Ferreira foi anunciado como substituto de Vanderlei Luxemburgo no Palmeiras. De 2020 para cá, em exatos quatro anos, o técnico português se tornou um dos maiores nomes da história do clube, com dez títulos conquistados.

Um sucesso que nem mesmo quem foi o primeiro a apostar em Abel como treinador poderia imaginar. Foi Carlos Freitas, então gestor esportivo do Sporting, quem deu a oportunidade de o técnico assumir a equipe sub-19 do clube e iniciar uma carreira que já dura 12 anos.

Hoje comentarista do “Canal 11”, de Portugal, o ex-dirigente conversou com exclusividade com a ESPN e contou o que viu no então jogador Abel Ferreira para acreditar que aquele lateral – que chegou a defender, inclusive, a seleção de Portugual – poderia ter sucesso à beira do campo.

“O Abel era um lateral-direito com alguma consistência no Campeonato Português, já tinha demonstrado essa consistência em clubes como o Vitória (de Guimarães) e o Braga, e na altura, com o Paulo Bento como treinador, decidimos tentar”, iniciou Carlos, lembrando o Abel ainda atleta.

“Na altura com o contrato por um empréstimo de seis meses. Foi um período muito positivo e, no final daquela temporada, optamos para exercer a opção de compra, algo em torno dos 700 mil euros”, seguiu ele, recordando a passagem vitoriosa do lateral com a camisa do Sporting.

Embora tenha se firmado como titular com Paulo Bento (ex-Cruzeiro), vencido títulos e jogado até a Champions League, Abel teve a carreira abreviada por uma grave lesão no joelho direito, aos 33 anos, em 2011. Foi quando surgiu a chance de se tornar técnico, pelas mãos de Carlos Freitas.

“À medida que nós temos contato com os jogadores, rapidamente, vamos ganhando uma ideia muito precisa, muito clara, daqueles jogadores que têm o maior entendimento do jogo, que têm capacidade de liderança, que têm capacidade de comunicar e transmitir aquilo que pensam do jogo. Aqueles que apostavam mais fortemente na sua formação acadêmica, para estarem preparados para o passo seguinte”, contou.

“E, no Sporting, sempre houve nessa altura em que eu estava lá, uma porta aberta àqueles que demonstravam mais essa capacidade. Oferecemos a oportunidade depois que o técnico do time sub-19 foi promovido ao time principal”, continuou.

“Na altura, o Ricardo Sá Pinto (ex-Vasco) chegou à equipe principal, e o Abel teve a oportunidade de pegar esse time (sub-19), que era do Ricardo Sá Pinto, e, inclusive, ser campeão nacional ao fim de seis meses.”

Logo de início, Carlos percebeu que tinha tomado a atitude certa em dar uma chance a Abel e apontou qual foi, para ele, o grande mérito do “novato”.

“Não posso dizer, em nome da seriedade intelectual, que nessa altura projetava que fosse dar certo. Isso seria abusivo da minha parte. Mas aquilo que saltou rapidamente aos olhos foi um sinal de grande inteligência. O Abel, quando pegou nossa equipe sub-19, teve a habilidade de não querer mudar tudo aquilo que vinha antes dele.”

“Esse trabalho era bem feito, teve como auge a conquista do título nacional desse ano, e o Abel teve a habilidade de entrar no carro em movimento, dar um toque pessoal, mas não descaracterizando o trabalho que vinha sendo feito, e que era bem feito. Isso para mim é sinal de inteligência e é um traço que normalmente identifica os bons treinadores.”

Da mesma forma como não sabia que a aposta de Abel no sub-19 daria certo, Carlos admitiu que não esperava tamanho sucesso do português no futebol brasileiro. “Mais uma vez, tenho que confessar a minha surpresa, mas no sentido positivo. Porque o Abel já tinha feito bons trabalhos no Braga e no PAOK. Ainda assim, era um técnico em crescimento.”

“O Brasil, com todo o respeito, normalmente não é caracterizado por trabalhos a longo prazo. O Palmeiras ofereceu ao Abel condições de trabalho, condições de tranquilidade para aplicar as suas ideias e, com a comissão técnica, com a qualidade dos jogadores que o clube tem produzido, e ao mesmo tempo tem tido a capacidade de contratar, tem resistido à perda anual e periódica de grandes jogadores.”

“Isso também tem acontecido no Palmeiras. Mas o Abel tem tido a capacidade de, ainda assim, semestre após semestre, construir equipes altamente competitivas, que têm conquistado títulos muito importantes, e que o têm levado para um patamar de reconhecimento que está ao nível dos melhores.”

Não por acaso Abel se tornou, no dia 25 de junho de 2024, o treinador mais longevo da história do Palmeiras, superando Oswaldo Brandão, em recorde que durava desde 1975. Para Carlos, essa capacidade de “reinventar” o time durante o período a frente do clube, é um dos grandes méritos do português.

“Isso demonstra qualidade de trabalho, a capacidade de trabalhar bem e depressa. No caso do Palmeiras e do Abel, independentemente de quem sai, o Palmeiras tem a capacidade de se reinventar, e isso tem uma marca muito forte da mão dos treinadores, como é óbvio.”

Embora responsável pelo primeiro passo do agora ídolo alviverde como treinador, Carlos contou que não tem tido contato com o técnico do Palmeiras, mas se disse feliz com o sucesso do ex-atleta. Já sobre o futuro de Abel, que tem contrato até o final de 2025, ele evitou opinar.

“Tenho alguma dificuldade em fazer uma projeção do futuro a médio e curto prazo. Consigo pensar que muitas vezes há necessidade de nós profissionais nos reinventarmos em espaços diferentes. Mas, por outro lado, o reconhecimento que ele conquistou por parte do Palmeiras e da torcida, também o leva seguramente a equacionar com muito carinho a possibilidade de ficar num lugar onde é reconhecido.”

Em entrevistas recentes, Abel deu a entender que poderia cumprir seu contrato e se despedir do Palmeiras. Por outro lado, segundo apurou a ESPN, técnico e clube têm conversado há alguns meses sobre a possibilidade de extensão do vínculo até o final de 2027.

“Por outro lado, também compreendo que qualquer profissional muitas vezes tem necessidade de se confrontar com realidades diferentes, como eu digo, de brincar com meninos de outras ruas para ver se continua a ser o melhor. E isso muitas vezes é uma necessidade que qualquer profissional, eu na minha atividade, treinador, jogadores, sentimos, independentemente da satisfação que temos em estar onde estamos”, finalizou Carlos.

Certo é que, independentemente do futuro, Abel está na história do Palmeiras, com títulos da CONMEBOL Libertadores, Copa do Brasil, Campeonato Paulista e Brasileirão – em lista que ainda pode aumentar em 2024, com o time novamente brigando pela taça nacional. Uma vitoriosa trajetória iniciada há exatamente quatro anos…