A campanha da seleção brasileira feminina de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris foi histórica. A equipe formada por Arthur Elias demonstrou uma “virada de chave” absurda da fase de grupos para o mata-mata, com certeza algo que impressionou a quem acompanhou a trajetória desde o início.
O jovem elenco convocado pelo técnico em seu primeiro grande torneio entregou tudo. Ele quis tirar do grupo o peso de um passado recente de traumas, sempre que possível enaltecendo quem passou e confiando em que estava ali, agora.
Cansaço, lesões e recuperações fizeram parte dos 17 dias da Amarelinha nesta Olimpíadas. A aplicação tática esteve presente, a estrela de jogadoras como Lorena, Tarciane, Yaya e Gabi Portilho brilhou, e o treinador soube extrair o melhor de cada uma das 22 atletas.
Com o calendário apertado, a preparação “para valer” mesmo aconteceu na Granja Comary: afinal, na França, a rotina foi basicamente treino, jogo, viagem. Uma partida a cada três dias até a semifinal, e as atividades em campo foram substituídas por recuperação para os duelos eliminatórios.
Na fase de grupos, a vitória sobre a Nigéria deixou uma boa impressão especialmente no segundo tempo. Ali, a figura de Lorena começou a surgir com segurança, e a aplicação defensiva brasileira impressionou. Marta mostrou do que era capaz com uma assistência precisa para Gabi Nunes.
Diante do Japão, um jogo complicadíssimo, em que o Brasil não esteve à vontade em boa parte. Na etapa final, após o gol de Jheniffer, a situação parecia controlada, com time outra vez bem defensivamente, mas a primeira lição foi dada: falta de concentração custa caro. De ‘positivo’, a estrela de Lorena, que defendeu uma penalidade.
Só que um pênalti, desta vez não defendido por Lorena, e uma falha na saída de bola custaram a virada dolorida, e a classificação teria que ser garantida contra a Espanha, atual campeã do mundo e já garantida no mata-mata após duas derrotas. Arthur Elias evitou falar em “apagão”, mas disse que a derrota tinha que doer mesmo nas jogadoras.
Diante das espanholas, o técnico correu um “risco calculado”: um empate bastaria para a vaga nas quartas, mas o primeiro tempo basicamente “na retranca” não deixou uma boa impressão. A expulsão de Marta antes do intervalo complicou os planos, e o 2 a 0 da Espanha parecia até barato. A combinação de resultados ajudou a seleção a avançar, o que a colocou em outro patamar.
A mentalidade, o discurso e o futebol mudaram. O que parecia um trauma desde 2008 se transformou em força.
Mesmo sem Marta por dois jogos, a seleção entrou em um “modo competição” que há tempos não se via. “Nunca ganhamos da França? Ah, é dona da casa? Vamos estragar a festa”, e o Brasil venceu por 1 a 0 nas quartas de final. Mais uma vez, Lorena brilhava com uma defesa de pênalti.
“Espanha melhor do mundo? Perdemos na fase de grupos? Espera só pra ver…”, e a seleção fez uma atuação exuberante, a maior em anos, no qual o 4 a 2 no placar final pareceu pouco.
Os “acréscimos eternos” faziam parte do jogo, afinal Arthur Elias tinha outro risco calculado: se algo não estava bem com o time, lá ia ele pedir para Lorena ganhar um tempo no atendimento médico. O técnico reunia as jogadoras e corrigia os caminhos. O sofrimento aumentava, porém a maturidade das atletas foi determinante.
Mas então ela apareceu: a seleção dos Estados Unidos, a última “fantasma”. A confiança estava lá no alto, Marta voltou, e o primeiro tempo na disputa pelo ouro deixou o gosto de que faltou o gol para coroar a atuação. E como ele fez falta…
Mais uma vez, os EUA estragaram a festa brasileira em uma edição de Olimpíadas. Algo que não apaga o orgulho e o resgate da seleção feminina. Uma prata com sentimento de dever cumprido. Dos riscos calculados à prata.
As críticas vão aparecer – afinal, é futebol, né? -, talvez o maior desafio para Arthur Elias e jogadoras seja concluir melhor as oportunidades de gol que apareceram (e não foram poucas). Manter as atletas saudáveis no calendário olímpico foi um sufoco, e na final – já sem Antônia, Tamires e Kerolin – Lauren e Yaya precisaram sair.
O objetivo do Brasil até a Copa do Mundo de 2027 “em casa” será a evolução. Se a última impressão é a que fica, a seleção brasileira pode ter certeza de que a torcida agora confia em um futuro promissor.