Considerando o maior campeonato de várzea no Brasil, a Super Copa Pioneer terá sua grande decisão neste domingo (29), na Arena Inamar, casa do Água Santa, em Diadema, município do estado de São Paulo. Por lá, Cidade Tiradentes e Vic Vic se enfrentam em busca da tão sonhada taça. Na equipe azul e preta da zona leste da capital paulista, há um nome que se destaca: Josué.

O atacante possui um caminho no mundo da bola parecido com o de muitos meninos que sonham um dia viver do luxo que o futebol proporciona para poucos. Já aos 18 anos deixou o nível amador e, após ser campeão na base do Palmeiras ao lado de Gabriel Menino, Patrick de Paula e Gabriel Veron e se profissionalizar, reencontrou as raízes da várzea e foi abraçado onde tudo começou.

Se hoje brilha na várzea e passou pelo Palestra, o atacante, um dia, chegou a dizer “não” a Andrés Sanchez, ex-presidente e multicampeão pelo Corinthians. Antes de acertar com o Alviverde, Josué ficou perto do Timão. Porém, escolheu o grande rival.

Em entrevista ao ESPN.com.br, o destaque da Cidade Tiradentes revelou não se arrepender de ter trocado o “certo” do Parque São Jorge pelo “duvidoso” no Palestra, já que teve de passar por testes, enquanto, no Timão, chegaria com o aval e moral dada pelo principal nome da diretoria.

“Eu não me arrependo, foi uma decisão bem pensada. Troquei um certo pelo duvidoso, porque lá no Corinthians já estava tudo firme. No Palmeiras eu fui para ter o aval do treinador e fazer quatro treinos. No fim das contas, essa decisão que eu tomei me ajudou bastante para ter um currículo grande e passar por grandes clubes também. Ganhei o Campeonato Brasileiro sub-20, joguei a Copinha, quatro jogos e feito três gols. Isso me deixou bastante tempo no cenário do futebol.”

Chance de ter treinado no Manchester City

Se por um lado brilhava dentro de campo pelo Palmeiras, fora dele, Josué viu quem cuidava de sua carreira o sabotar. Ele acredita algumas ofertas que chegaram não foram levadas adiante e, assim, o sonho de atuar na Europa foi retirado de seu caminho.

O principal deles foi em um dos clubes mais importantes do mundo na atualidade, o Manchester City. Josué teria a oportunidade de treinar por três meses no gigante inglês e, caso impressionasse, poderia trilhar a carreira na Inglaterra.

“Passa mesmo (na cabeça). Por mais que fosse ficar lá só por três meses em avaliação, imagine se eu vou e consigo me firmar? Ia ser algo surreal.”

Memórias de Palmeiras

Franzino e desconhecido, Josué chegou ao Palmeiras com muita expectativa após se destacar com a camisa do Nacional, tradicional equipe da Barra Funda, zona oeste de São Paulo, ao lado do “endinheirado” vizinho.

Por lá, de cara, foi abraçado pelos principais nomes da categoria, que hoje brilham no cenário brasileiro.

“São diversas histórias, mas especial que eu tenho foi quando eu cheguei no Palmeiras. Todos me abraçaram de uma forma extraordinária, com muito carinho. Isso eu sempre vou ter na minha memória. O Vitão, hoje no Internacional, o Patrick de Paula, o Lucas Esteves, que é um amigão meu, entre outros jogadores, como o Papagaio, o Veron. A gente jogou junto na Copinha de 2019.”

“Um menino que estava chegando da várzea, que já tinha ido para o profissional, e depois já estava lá do lado deles.”

Josué ganhou a casa em que mora na várzea

O retorno às origens aconteceu após desilusões e escolhas erradas no mundo da bola. De volta ao “terrão”, foi abraçado por Cuca, presidente do time da Cidade Tiradentes, e ganhou até a atual casa em que vive como premiação de “bicho”.

“O lugar que recebi para ter o meu cantinho foi meu maior ‘bicho’ até hoje. Foi algo inexplicável. Ao sair do profissional, ele me pegou para cuidar, me deu uma oportunidade maravilhosa. Quando eu me machuquei, ele me ajudou bastante. Até brinco com ele falando que tenho contrato vitalício com a Cidade Tiradentes. É um cara extraordinário, de extrema humildade. Só tenho a agradecer a ele, porque, quando eu precisei bastante mesmo, depois de uma lesão muito grave que eu tive de pubalgia, ele me abraçou, me ajudou a estar onde eu estou hoje. Me ajudou a conseguir um cantinho”, contou.

‘Tem muito homem gastando horrores’

A várzea se popularizou pelas grandes festas nas arquibancadas, com direito a muito sinalizador e fumaça, além de estrelas que atuaram profissionalmente – na semifinal, a Cidade Tiradentes tirou o Pau no Gato, que contava com André Santos e Christian, dupla ex-Corinthians.

Fora dos gramados, nos bastidores, os valores pagos aos jogadores, o famoso “bicho”, surpreendem até quem disputou os principais campeonatos nacionais.

Por outro lado, o dinheiro traz responsabilidade. E Josué alertou para o profissionalismo que os jogadores que atuam na várzea devem ter.

“Hoje em dia a várzea está surreal. Tem muito homem gastando horrores. Mas também vem aquela cobrança, vem aquela responsabilidade. Se você não treinar, não abdicar de diversas coisas e tratar como um profissional, vai ficar para trás, porque hoje a várzea paga muito melhor do que vários clubes pequenos.”

Por que deixou o profissional para voltar ao amador?

Se Josué teve uma ascensão meteórica no futebol, indo do Nacional ao Palmeiras, a troca do profissional de volta à várzea também acabou acontecendo cedo.

Em um forte desabafo, Josué revelou que as portas se fecharam por conta de atitudes do passado. Com as dificuldades da distância de casa e da filha pequena, resolveu voltar às origens e foi novamente abraçado pela várzea.

“Eu vim da várzea, não tive base, minha vida mudou da noite para o dia. Com 18 anos, já fui para fazer um teste no sub-20 do Nacional, que não estava tendo treino, então fui já no profissional fazer o teste. Em uma semana eu já tinha assinado com a empresa, na outra semana eu já tinha feito a estreia fazendo gol”, começou por contar.

“Passei por muitas coisas no profissional durante seis anos. Foi a minha cabeça (que me fez deixar o profissional). Decidi mudar meu jeito de pensar, minhas atitudes, porém, nesse decorrer, por conta do meu passado, por algumas coisas que eu cometi, fui criando muitas cascas e cicatrizes. As pessoas já não acreditavam mais na minha mudança, não acreditavam mais que eu queria fazer diferente. Fui para Santa Catarina, fiquei longe da minha filha, que tem três anos hoje, foi a primeira vez que eu fiquei longe dela. Fiquei com a cabeça pesada, porque eu estava fazendo de tudo para apagar aquele Josué que tinha no passado e não estava dando. Chegou um certo momento que eu falei: ‘Não está dando, estou ganhando um valor aqui que posso ganhar na várzea, é melhor eu voltar e ficar próximo da minha filha’.”

Sonho em voltar ao profissional

Aos 25 anos, Josué ainda sonha em voltar ao futebol profissional. E há exemplos de atletas que iniciaram tarde e se firmaram em grandes clubes brasileiros, casos de Bruno Henrique, no Flamengo, e Júnior Santos, do Botafogo.

Inspirado em Neymar e fã de Ronaldinho Gaúcho, o atacante não fecha as portas em um dia, quem sabe, poder realizar o sonho em atuar na Europa.

“Seria um sonho da minha vida (voltar ao futebol profissional). O jogador que me inspira mesmo é o Neymar. E também o Ronaldinho Gaúcho. Eu vejo muitos vídeos do Ronaldinho Gaúcho.”

“Se eu tiver essa oportunidade de voltar naquela que era para ter tido, que apareceu para mim e infelizmente eu não fui, seria excelente conseguir chegar lá no City ou até mesmo em um grande clube na Europa”, finalizou.