O atual momento do Manchester City causa um questionamento: será que a fase de domínio da equipe comandada por Pep Guardiola está chegando ao fim? Há alguns meses, ninguém imaginaria que o time chegaria à última rodada da primeira fase da Champions League correndo risco de uma eliminação precoce.

Depois de conquistar o quarto título consecutivo da Premier League na última temporada, Guardiola vive um momento de incerteza. Com sequências de resultados complicados, o time é quinto colocado no campeonato nacional, com 12 pontos de distância para o Liverpool, que lidera – mesmo com uma partida a menos. Os Citizens chegaram recentemente a ter apenas uma vitória em 13 jogos, somando todas as competições, com nove derrotas, sendo cinco consecutivas.

Apesar de ter se recuperado com três vitórias e dois empates nos últimos cinco jogos da liga, a equipe mostra sinais de declínio. O lateral Walker, de 34 anos, saiu para o Milan. Gundogan, da mesma idade, não voltou ao que era após uma passagem pelo Barcelona. De Bruyne, de 33, ainda não discutiu renovação de contrato, que termina no meio deste ano. O novo vínculo de Haaland, que assinou até 2034, é um ponto fora da curva e pode dar alguma esperança.

Mesmo o futuro de Guardiola, que em novembro do ano passado renovou até 2027, é alvo de especulação. O City perdeu brilho no mercado da bola. Até atletas formados no clube, como Palmer, agora se destacam em outros times após serem dispensados cedo – no caso, no Chelsea. O medo dos adversários vai acabar?

Se quiser continuar com domínio, City e Guardiola podem se inspirar em casos antigos de clubes rivais, como o Liverpool das décadas de 70 e 80 e o Manchester United de Alex Ferguson, que também ganharam muito e viram o império acabar.

Caso do Liverpool

O Liverpool dominou o futebol inglês durante as décadas de 70 e 80. De 1976 a 1990, foram dez conquistas da elite do campeonato nacional. O troféu da temporada de 1989/90, porém, deu início a um jejum de 30 anos, que só acabaria em 2019/20, sob comando de Jurgen Klopp.

Mas o que houve para o domínio acabar? Um nome histórico da sequência vitoriosa dos Reds é Kenny Dalglish, que foi jogador e treinador. Quando ele deixou o clube, em 1991, a equipe sofreu e só ganhou mais dois títulos durante o resto da década.

Além da saída do comandante, houve o adeus de John Smith, que deixou a presidência em 1990 depois de assumir em 1973 e levantar muitas taças. Uma das características do mandatário era escolher treinadores de dentro do clube. Já sem ele à frente, o escolhido para substituir Dalglish foi Graeme Souness, que estava no Glasgow Rangers.

Mais do que escolhas equivocadas, o clube falhou em renovar uma equipe que estava envelhecida. Quando Dalglish deixou o cargo, o Liverpool dependia de muitos jogadores que haviam tido sucesso nos anos 80, como Bruce Grobbelaar, Nicol e Ian Rush, na casa dos 30 anos.

As duas últimas contratações da era Dalglish, David Speedie e Jimmy Carter, jogariam apenas 21 partidas pelos Reds. O time perdeu a capacidade de fazer boas contratações e ainda viu uma regra prejudicar a situação.

“Quando Dalglish saiu e Souness entrou, alguns de nós já tinham passado do melhor. Precisava ser renovado. Souness teve que fazer muitas mudanças rapidamente. A maioria da nossa equipe era formada por escoceses, galeses e irlandeses. Por conta de regra da UEFA (que só deixou três jogadores estrangeiros), Souness teve que se livrar de vários e trazer ingleses. Não podia trazer os melhores jogadores”, relembrou Nicol.

Os erros fizeram a equipe amargar maus resultados e ver os rivais superarem nos anos seguintes.

Caso do Manchester United

O baque do declínio do Manchester United foi sentido em 2011, após uma derrota por 6 a 1 para o Manchester City em pleno Old Trafford. Foi o principal revés desde que Alex Ferguson assumiu o time, em 1986. “Parecia humilhante, mas era uma autoaniquilação. Após o apito final, disse aos jogadores que tinham se desonrado”, relembrou o ex-técnico, em sua autobiografia, de 2013.

O City foi campeão daquela temporada de 2011/12, com o United sendo justamente o vice, com a mesma pontuação, mas perdendo em gols marcados e saldo de gols. “De todos os contratempos que enfrentei, nada se compara a perder a liga pro City”, disse Ferguson.

Era o fim de uma sequência vitoriosa. Além da saída de Ferguson, David Gill também deixou o cargo de CEO. Ele foi substituído pelo diretor comercial do United, Ed Woodward, que fez um período de contratações luxuosas, trazendo Paul Pogba, Romelu Lukaku e Angel Dí Maria, além de quatro treinadores em cinco anos, incluindo Louis van Gaal e José Mourinho, campeões de Champions League.

Foi gasto mais de 1 bilhão de libras esterlinas (R$ 7,3 bilhões) sob comando de Woodward e mais de 40 milhões de libras esterlinas (R$ 292 milhões) nas indenizações de demissões dos técnicos David Moyes, Van Gaal, Mourinho e Ole Gunnar Solskjaer.

O clube não conseguiu renovar o elenco vencedor. Em 2009, Cristiano Ronaldo foi para o Real Madrid. Tevez deixou o clube e foi para o rival City. Eles foram substituídos por Antonio Valencia e Michael Owen. Também foram contratados dois atacantes desconhecidos: Gabriel Obertan e Mame Biram Diouf. Ninguém repetiu o sucesso que Cristiano Ronaldo e Tevez fizeram em seus novos times.

Quando Ferguson se aposentou, havia sinais de declínio. Giggs, com 39 anos, ainda estava no meio de campo, assim como Paul Scholes, de 38, que havia saído da aposentadoria por pedido do próprio treinador para suprir uma escassez de atletas. Ferdinand (34), Vidic (31), Evra (32) e Michael Carrick (31) eram outros veteranos.

Antes do término da temporada de 2013 e de deixar a equipe, o treinador ainda apostava em jogadores que poderiam vingar, como o brasileiro Rafael, Smalling, de Gea, Tom Cleverley, Welbeck e outros. As coisas, porém, não saíram como planejadas.

Caso do City

Algumas “coincidências” dos declínios de Liverpool e United começam a ser vistas no City, como derrotas chocantes, saídas importantes nos bastidores – caso do diretor de futebol Txiki Begiristain, que fica apenas até o Mundial de Clubes – e erros de contratações. A derrota para o United na decisão da Copa da Inglaterra da última temporada foi um sinal.

É importante dar destaque para a iminente saída de Begiristain. Ele foi crucial para a decisão de contratar Guardiola e tem um relacionamento próximo com o treinador. Perder seus contatos e seu vínculo com o espanhol pode ser um grande golpe.

O elenco também precisa ser renovado. Além dos casos já citados de Walker, Gundogan e De Bruyne, há mais jogadores já passando dos 30, como Bernardo Silva, John Stones e Mateo Kovacic. Guardiola, no entanto, tem insistido que a idade não é um problema “a depender do desempenho”.

A decisão de recontratar Gungogan, depois de permitir a ida ao Barcelona, foi um raro passo para trás, mas também houve a saída de jogadores jovens, como Palmer, Morgan Rogers e Romeo Lavia. Há ainda o caso das 115 acusações da Premier League.

Fontes ligadas à ESPN disseram que James McAtee, de 22 anos, considerado por Guardiola como possível substituto de Bernardo Silva, pode sair pela frustração de pouco tempo de jogo. O pedido de transferência surpresa de Walker e a frustração de Ederson por perder a vaga de titular para Ortega aumentam a sensação de descontentamento dentro do time.

A boa notícia é a renovação de Haaland. O longo prazo do contrato sugere otimismo. Houve, ainda, as contratações dos defensores Abdukodir Khusanov e Vitor Reis e o atacante Omar Marmoush. Se são movimentos certos ou repetição dos erros de apostas de Liverpool e United, só o tempo dirá.