Há um motivo pelo qual técnicos falam tanto na imprevisibilidade do futebol. Mesmo aqueles que se preparam com disciplina obsessiva na tentativa de controlar encontros sabem que, no instante em que a bola faz o primeiro giro sobre si mesma, o futuro está sob as ordens de um jogo que tem suas próprias vontades. Os mais detalhistas traçam planos para os distintos cenários; o que fazer em caso de um gol a favor, como reagir a uma desvantagem nos primeiros minutos, quais substituições serão promovidas, quando e por quê. Até mesmo o reposicionamento de equipes após uma expulsão é previsto e conversado com os jogadores, cientes das devidas mudanças em suas funções. Um plano B para uma expulsão antes do primeiro minuto de um jogo que vale taça, porém, é algo extraordinário.

O Monumental de Núñez viu a expulsão mais precoce da história das decisões da Copa Libertadores: falta aos 31 segundos de jogo, cartão vermelho – absolutamente correto – aos 64. Gregore se retirou do gramado tão cedo que não é exagero dizer que o Botafogo estava diante da possibilidade de disputar a final inteira com um jogador a menos, um fardo ainda mais pesado do que iniciar uma partida perdendo por um gol. Ao final do primeiro tempo, o placar mostrava 2 x 0. Alguém que não estivesse acompanhando a decisão entenderia o relato como algo natural: um time em desvantagem numérica recua para tentar se defender, sofre o gol que o desmobiliza e se desorganiza de vez, cedendo o segundo. É algo que se vê com frequência. Esta final, no entanto, resolveu se inscrever na cultura do jogo como algo muito especial. O Botafogo não só foi para o vestiário vencendo, como não permitiu que o jogo adquirisse a dinâmica normal de 10 contra 11.

Um dos responsáveis por isso é Artur Jorge. Diante da ameaça de perder um troféu que seu clube não possui antes de ter a chance de lutar por ele, o técnico botafoguense reforçou a confiança no que havia planejado. Não, ele não mandou todos os jogadores do banco de reservas ao aquecimento. Não, ele não retirou imediatamente um dos atacantes titulares. Não, ele não fez entrar em campo um substituto para a função de Gregore. Enquanto o público no estádio e na televisão tentava se acostumar à ideia de uma expulsão no primeiro minuto, Artur se sentou ao lado de seus auxiliares e, com a ajuda de peças numa prancheta, reorganizou o posicionamento de seu time.

Alguém poderia dizer que era uma tentativa de comprar tempo para decidir como interferir, mas o que se passou pouco depois provou que a ideia era outra: o Botafogo pretendia ganhar o jogo por intermédio da capacidade de interpretação de seus jogadores de uma nova ideia, que lhes exigiria, acima de tudo, solidariedade. Os gols de Luiz Henrique e de Alex Telles, em cobrança de pênalti, mostraram como. Um domínio absoluto. Tático, estratégico e, principalmente, de imposição, que diz tanto a respeito da competência do Botafogo quanto da complacência do Atlético Mineiro.

Não é razoável, do ponto de vista do time que atua com um homem a mais, que o jogo não demonstre essa diferença. Esse era o problema que Gabriel Milito tinha de solucionar sob pena de lidar para sempre com a pior das sensações: o arrependimento. A glória é eterna, assim como um certo tipo de derrota. O Atlético do segundo tempo seria bem diferente, mas o impacto no placar veio antes de qualquer mudança ser notada. Um escanteio no minuto 47 gerou o gol de cabeça de Eduardo Vargas, cortando a diferença pela metade e conferindo ao jogo, pela primeira vez, as dúvidas que permeiam as decisões. O Atlético seria capaz de fazer valer o homem extra? O Botafogo teria fôlego para sustentar a vantagem?

Vargas teria duas oportunidades douradas para apresentar as respostas. Uma em lançamento precioso de Mariano, outra após um recuo equivocado de Adryelson. Ambas as finalizações foram defeituosas, a segunda machucará mais por ele estar desmarcado diante de John. O Atlético poderá lamentar a decisão da equipe de arbitragem de não marcar um pênalti de Marlon Freitas em Deyverson, mas a prestação coletiva do time dirigido por Milito não esteve à altura de uma ocasião tão importante. O gol tardio de Junior Santos, do tipo que vale tanto quanto o apito final, foi justo com o desempenho dos dois finalistas. Quando técnicos falam sobre a imprevisibilidade do futebol, não falam sobre três gols em praticamente 90 minutos com um jogador a menos, numa final. Feitos como esse constroem as lendas contadas por todos os tempos, como o botafoguense, extasiado e orgulhoso, fará a partir deste sábado.