Um bom embate tomou conta do noticiário neste início de temporada no futebol brasileiro e quero dizer que concordo com os dois lados, algo que não é muito comum.
Leila Pereira, presidente do Palmeiras, criticou ferozmente quem faz pré-temporada no exterior, e logo chegaram dos Estados Unidos respostas fortes para defender esse período de preparação fora do país.
“Esse negócio de fazer pré-temporada no exterior é para dirigente passear. Não tem benefício para o atleta, benefício para o clube. Absolutamente nada. É para dirigente passear na Disney. Isso eu não admito aqui no Palmeiras”, falou Leila, de forma um tanto quanto gratuita, em um evento que deveria tratar mais do Palmeiras e de seu novo patrocinador.
Julio Casares, presidente do São Paulo, e Fernando Diniz, técnico do Cruzeiro, trataram de elogiar bastante o giro que seus time fazem pela Flórida em meio à disputa do torneio amistoso FC Series (há alguns anos, era Florida Cup, disputa que teve como alguns de seus campeões Atlético-MG, Flamengo, São Paulo e, curiosamente, o Palmeiras da Leila em 2020).
“O São Paulo está nos Estados Unidos a convite, como foram convidados Cruzeiro, Flamengo e Atlético-MG. Para nós, motivo de muita honra. Tem sido muito positivo economicamente para ativar a marca dos patrocinadores, a estrutura é espetacular, gramados naturais de primeiro mundo que parecem do Morumbis, a estrutura de hotel, de transporte, logística, a ativação da marca… Ontem fomos na NBA e vamos fazer em outras entidades, tem sido muito positivo. E o conteúdo trabalhado também”, disse Casares, como de costume tentando vender ao máximo o seu peixe.
O midiático dirigente tricolor, que tem “furado” por vezes os próprios anúncios oficiais do seu clube, postou foto depois na Universal mostrando estar ligado na classificação do São Paulo às quartas da Copinha (vi que a rival Leila Pereira no Instagram tem praticamente o dobro de seguidores do Casares, que segue sete vezes mais gente do que a presidente palmeirense).
Leila acerta ao dizer que tem dirigente que vai passear na pré-temporada. Nesse tipo de viagem, o clube normalmente é convidado, mas esse também convida sistematicamente um monte de gente que não vai bem trabalhar duro nesse período no exterior.
Muricy Ramalho, ídolo do tricolor que continua ocupando cargo na diretoria, não tem aparecido muito no dia-a-dia do time (a última vez em que falaram um pouco dele foi quando o noticiário apontava que o técnico Luis Zubeldía estava sofrendo fritura no Tricolor no final de 2024), mas ele foi normalmente com a delegação para os Estados Unidos.
E não é só dirigente que aproveita pré-temporada para passear. Apurei que um velho amigo que trabalha no departamento de comunicação do São Paulo foi a um jogo dos playoffs da NFL há poucos dias (sei o quanto ele curte futebol americano, tem mais é que aproveitar mesmo essa chance enquanto divulga as coisas do clube lá da Flórida).
Fernando Diniz experimenta pela primeira vez uma pré-temporada no exterior e destaca o trabalho forte que seus dirigentes estão fazendo, algo tamanho que mereceria mesmo um descanso nos diferenciados parques da Disney.
“Para mim é novidade, nunca tinha feito. Confesso que estou gostando muito. Para esse momento do Cruzeiro, foi a melhor escolha estar longe do Brasil para a ambientação dos jogadores que estão chegando. Temos convivido full time, e o que menos temos feito é passear”.
“Vamos passear amanhã que é um dia livre. Os dirigentes do Cruzeiro foram os que mais trabalharam na janela, fizeram remontagem [do elenco] em tempo recorde. Estou feliz com o trabalho da diretoria. Se os dirigentes estiverem passeando, eles teriam direito. Trabalharam bastante para montar o elenco”, falou Diniz, que empatou em 1 a 1 com o São Paulo na estreia e agora se prepara para enfrentar o Atlético-MG, primeiro clássico mineiro de 2025.
Passear em meio ao trabalho longe de casa é algo comum, eu mesmo já fiz inúmeras coberturas, nacionais e internacionais, em que aproveitei para conhecer um pouco das atrações do lugar visitado. Fazendo meu trabalho corretamente, por que não desfrutar também do lugar em que estou?
Leila Pereira disse que nem tem sido convidada para participar de pré-temporadas no exterior porque todos já sabem que ela recusa esse tipo de convite (em 2020, quando o Palmeiras jogou e ganhou a Florida Cup, ela era “apenas” patrocinadora, não presidente).
“Eu nem sou convidada porque eles sabem disso. Não tem ganho financeiro, esportivamente também não. O pobre do atleta já tem que viajar o ano inteiro com esse calendário insano. Aí, na pré-temporada que ele pode ficar sossegado, na cidade dele com toda a estrutura do clube, decidem ir para a Disney”, afirmou Leila, que viajou para a Europa no ano passado após aceitar convite da CBF para ser chefe da delegação da seleção brasileira nos amistosos contra Inglaterra e Espanha (lugares bacanas para passear também).
Mais uma vez a Leila toca em alguns pontos que fazem mesmo muito sentido. Por que investir pesado em estrutura, com CT, departamento médico, fisioterapia e centro de excelência em tratamento e recuperação de atletas para ir para outro lugar na pré-temporada?
Não causa um desgaste maior nos atletas ter que fazer uma viagem intercontinental antes de começar o calendário puxado aqui do Brasil? Depois, ficam reclamando do excesso de viagens de um time (o São Paulo, por exemplo, volta dos Estados Unidos e vai mandar duas partidas do Paulista em Brasília, acumulando boa milhagem logo neste início do ano).
O Santos, que tem como um grande orgulho o fato de ser reconhecido mundialmente, rejeitou convite para fazer pré-temporada nos Estados Unidos, mas, pelo que foi divulgado em uma nota, isso tem mais a ver com fatores pontuais, não por ser contra jogar no exterior nesta época do ano.
“Em função do planejamento estabelecido pela nova comissão técnica e considerando a mudança das condições apresentadas pelos organizadores da competição, o Santos Futebol Clube anuncia que optou por não participar do torneio de pré-temporada Orlando Cup Pro Series, que será realizado nos EUA em janeiro”.
“Os organizadores já foram notificados. A decisão foi tomada em decorrência da mudança de uma das equipes participantes, com evidente redução da qualidade técnica e pela não confirmação de transmissão do torneio para o Brasil por plataformas digitais e televisivas, diferentemente da expectativa apresentada inicialmente”.
“Desta forma, a pré-temporada será realizada totalmente no CT Rei Pelé, comandada pelo novo treinador Pedro Caixinha, a partir do dia 3 de janeiro de 2025”.
Quem jogará nesse torneio em Orlando é o Fortaleza, que tem expandido cada vez mais sua marca fora do Brasil. Ele irá enfrentar os estadunidenses Chicago Fire (um dos clubes da MLS interessados em Neymar) e Miami United (time na National Premier Soccer League que já contou com Adriano Imperador).
Se para o Santos hoje esse torneio não traz grande visibilidade, para o Fortaleza imagino ser mais um passo no crescimento e internacionalização do clube.
O Flamengo vive uma situação curiosa, pois está na disputa na Flórida da FC Series, mas sem querer estar lá. Luiz Eduardo Baptista, o Bap, novo presidente do Flamengo, falou com a Leila Pereira e concordou com a opinião dela sobre pré-temporada nos Estados Unidos.
Segundo apuração do Uol Esporte, ele precisou fazer cortes nas despesas da viagem para diminuir o impacto negativo desse período rubro-negro na Flórida, algo que foi acertado pela administração anterior, a gestão de Rodolfo Landim. Alguns detalhes da programação do Flamengo na FC Series foram modificados.
Um deles foi a volta do time ao Brasil, antecipada para o dia 19 logo após o jogo contra o São Paulo (esse mandará uma parte do grupo de volta antes do duelo contra o Flamengo para enfrentar o Botafogo em Ribeirão Preto na estreia do time no Campeonato Paulista, já pela segunda rodada).
O Flamengo estreará sua equipe principal no Campeonato Carioca no dia 25.
Como se vê, vários importantes clubes da Série A do Campeonato Brasileiro estão discutindo e divergindo se vale ou não a pena fazer pré-temporada no exterior. Creio que a Leila Pereira contribuiu bastante para esse debate, jogando luzes em dirigentes que gostam tanto ou mais de holofotes do que ela.
Briga de egos à parte, títulos mundiais e tradição global à parte, eu entendo que cada um sabe de suas necessidades e cada um sabe de suas condições. O que é bom para o Fortaleza hoje pode não ser para o Santos.
O que é bom hoje para a direção do Cruzeiro (que está reformando parte de sua estrutura, segundo o Fernando Diniz) pode não ser para a direção do Palmeiras (que já amou um dia Alexandre Mattos e Dudu).
Como não sou de ferro, sairei também alguns dias de folga, uma espécie de pré-temporada no exterior. Pretendo passear bastante e não trabalhar nada nesse período de curtição. Sendo assim, este humilde blog diferenciado voltará a ser atualizado apenas em fevereiro. Partiu férias!